Por que os garimpeiros utilizam mercurio no garimpo de ouro

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Garimpo é a atividade de extrair metais e pedras preciosas da natureza. Em outro aspecto, chama-se por garimpo o lugar em que ocorre a exploração de ouro e diamante. A extração pode ocorrer de forma industrial ou manual, respectivamente realizada por mineradoras e garimpeiros.

No Brasil, as áreas de maior ocorrência de jazidas estão localizadas na região Norte. As mais conhecidas são: Serra Pelada, vale do rio Tapajós (Pará), rio Tocantins (Tocantins) e vale do rio Madeira (Rondônia). Entre estas, destaca-se Serra Pelada, considerada o lugar de maior garimpo do Brasil, com pico de atividades entre os anos de 1980 e 1983.

A extração mineral por meio do garimpo tem longa história no país e confunde-se com o período de colonização. Eram os escravos que, por meio desta prática, retiravam do solo o ouro e outros metais preciosos. Mas, de que maneira isso era feito?

Uma das formas mais antigas de garimpo denominava-se pela mineração do ouro de aluvião. Era a mais comum e remonta a imagem do garimpeiro agachado e peneirando o cascalho do fundo dos rios. O instrumento utilizado pelo garimpeiro era a bateia, um recipiente feito de metal ou madeira, com formato cônico. Através dele, separava-se o ouro, outras pedras e metais preciosos.

Grupiara

O garimpo realizado a partir da técnica grupiara consistia em recolher a terra e o cascalho encontrados em encostas de montanhas. Este material era posteriormente despejado na água e garimpado com a bateia. Nesta atividade também podiam ser utilizadas rodas d’água para locomover a água até os pontos mais altos das montanhas. Com o fluxo de grandes quantidades de terra descendo na direção dos garimpeiros, era realizada a separação dos minérios preciosos. Apesar de antigas, estas formas de garimpo ainda persistem no Brasil.

Exploração industrial na Amazônia brasileira

A Amazônia é a região em que mais ocorre a presença de empresas mineradoras transnacionais. A partir delas é realizada a extração em larga escala dos minérios preciosos.

A exploração do solo amazônico deu-se primeiramente a partir da Serra do Navio (Amapá), por meio de suas reservas de manganês. Isso ocorreu devido a uma alteração realizada na Constituição de 1946 em relação à Carta de 1937, de Getúlio Vargas. A partir desta mudança, não ficava mais explícito que bens minerais eram de propriedade do Brasil, ao contrário do que ocorrera no governo anterior.

Então ficou estipulado que a exploração de minérios na região seria feita por brasileiros ou organizações formadas no país. Porém, não foram demarcadas de forma clara e objetiva as limitações em relação a estas sociedades de mineração. Assim, empresas transnacionais poderiam formar-se no país de forma a driblar o regulamentação.

Impacto ambiental

Por que os garimpeiros utilizam mercurio no garimpo de ouro

Área impactada pelo garimpo de ouro na Amazônia. Foto: kakteen / Shutterstock.com

Com a falta de regras referentes ao uso dos minerais na Amazônia, diversas companhias acabam por extrapolar a atividade. Com isso, são atingidas as regiões ribeirinhas, entre outras áreas de moradia presentes na localidade. As ações destas empresas trazem prejuízos ao meio ambiente. Práticas como derramamento de rejeitos em leitos de rios, vazamentos de materiais tóxicos com origem em barragens e construção de tubulações ilegais são as mais comuns.

Mercúrio

Em relação ao garimpo manual realizado em rios, um fator prejudicial ao meio ambiente é o uso do mercúrio para encontrar o ouro em meio ao cascalho. Tal elemento químico funciona como uma espécie de imã que gruda nos pedaços menores de ouro, deixando-os mais visíveis e de separação facilitada para o garimpeiro. Porém, o mercúrio é um elemento tóxico e, quando em contato com a água e o ar (via evaporação), é prejudicial aos seres vivos. Entre as consequências que a ingestão de mercúrio podem trazer estão a geração de fetos com deformidades e dificuldade na coordenação motora em adultos e crianças.

O garimpo desmatou milhares de hectares em 'Madre de Dios', no sul do Peru, e contaminou seus rios e peixes com mercúrio, mas a extração de ouro pode ser mais amigável com o meio ambiente e, inclusive, impulsionar um mercado de "ouro limpo".

César Ascorra, biólogo peruano que pesquisa a região de 'Madre de Dios' há 25 anos e é diretor do Centro de Inovação Científica Amazônica, sustenta que uma mineração sem mercúrio é possível e que os mercados devem criar uma demanda por um "ouro limpo", que evite a destruição do meio ambiente.

O mercúrio é tradicionalmente usado para separar e extrair o ouro de rochas ou da areia porque adere ao ouro formando um amálgama, que posteriormente é aquecido. Com o calor, o mercúrio evapora e resta o ouro.

- Qual é o impacto do mercúrio? -

Resposta: o mercúrio é um metal pesado que afeta os seres vivos nos órgãos com maior metabolismo: o sistema nervoso, o coração, o fígado, o pulmão e os rins (...)

O metilmercúrio, um subproduto do mercúrio que entra na cadeia alimentar, é parte do tecido dos peixes e também passa a fazer parte dos nossos tecidos, passa para a placenta, passa pelas barreiras encefálicas, chega ao cérebro, ao sistema nervoso, pode danificar os cromossomos, passa às gerações seguintes e produz o que conhecemos como doença de Minamata, cidade japonesa onde, nos anos 1950, morreram dezenas de pessoas e outras centenas sofreram graves danos neurológicos por intoxicação com metilmercúrio.

O mercúrio se mascara em quase 160 sintomas, então você pode ter dor de cabeça (...) perder o sono ou ficar irritadiço, sofrer alergias, pré-disposição a cânceres, doenças no pâncreas, anemias. Os efeitos neurológicos podem ser baixo rendimento escolar, baixa capacidade de fixação, de compreensão de texto ou de matemática.

- Uma mineração sem mercúrio é possível? -

Resposta: é possível fazer mineração aluvial sem usar mercúrio. Porque diferentemente da mineração em veio nos Andes, onde o ouro está unido a outros minerais e, então, é preciso liberá-lo, o ouro aluvial está solto, é ouro em pó, ouro em partículas. Então, a gravidade pode separar o ouro dos sedimentos sem a necessidade do mercúrio.

Com este método, um mineiro utiliza uma mesa vibratória , ou seja, usa a gravidade para separar o ouro e consegue ouro em pó sem usar mercúrio. Como não se compra ouro em pó, é preciso fundir o ouro a altas temperaturas e vendê-lo fundido. Não é alta tecnologia, é aprender técnicas novas que são acessíveis para eles.

Caso se sensibilizasse sobre a seriedade do problema do homem comum ao tomador de decisões, os mineiros não usariam mercúrio ou o usariam apenas na fase final, fariam uma concentração por gravidade e o aplicariam em quantidades muito pequenas e em um ambiente fechado, e recuperariam 100% desse mercúrio.

- O que é o mercado de "ouro limpo"? -

Resposta: Por que há um mercado que não é sensível com o meio ambiente? O mercado quer ouro sem importar como ele vem, uma condição de dizer: 'eu quero um ouro limpo, que não tenha tido mercúrio em seu processo'. Se o mercado fosse seletivo, orientaríamos a oferta também.

O mercado deveria mudar não só aqui na Amazônia, onde destruímos as florestas para fazer mineração e se utiliza mercúrio, mas também no mercado que gera essa demanda, que está no primeiro mundo.

Outra mineração é possível? Sim, com responsabilidade social e ambiental, e isso tem que se apoiar nos governos, nas pessoas, na tomada de decisões e também no mercado, que deve ser seletivo, deve condicionar a demanda.

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28/09/2013 05h58 - Atualizado em 28/09/2013 22h29

Exploração de ouro na Serra Pelada durante a década de 80 ficou marcada pelas graves consequências causadas pela utilização desta substância

Por que os garimpeiros utilizam mercurio no garimpo de ouro
Mineradores usam mercúrio no garimpo para identificar o ouro (Foto: Thinkstock/Getty Images)

A técnica de exploração de minérios que se dedica principalmente a extração de pedras preciosas, como ouro e diamantes, é conhecida como garimpo. A garimpagem pode ocorrer de forma mecânica ou manual e na maioria das vezes utiliza o mercúrio para facilitar a exploração mineral. Apesar da vantagem de catalisar o processo de identificação do ouro, por exemplo, essa substância química é responsável por gerar graves danos ao meio ambiente e aos seres humanos que a ela ficam expostos.

Por que os garimpeiros utilizam mercurio no garimpo de ouro
Região de garimpo na Serra Pelada (Foto: Divulgação/ Marcello Veiga)

O mercúrio é utilizado no processo de garimpagem em sua forma líquida para atrair o ouro diluído em um determinado solo, formando uma liga entre as substâncias. Giorgio de Tomi, diretor do Núcleo de Pesquisa para a Pequena Mineração Responsável da Universidade de São Paulo, explica que quando esse concentrado é queimado, o mercúrio evapora deixando apenas o ouro em seu estado bruto. A contaminação com a substâcia pode ocorrer de forma direta, por inalação, ou indireta após sua precipitação no solo. " A combinação do mercúrio precipitado com compostos orgânicos do solo forma a substância metilmercúrio, altamente danosa", esclarede de Tomi.
 

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Além de contaminar o solo, o metilmercúrio pode provocar graves complicações à saúde de garimpeiros ou de pessoas que indiretamente são infectadas. “O metilmercúrio se acumula na cadeia alimentar se fixando na natureza. Ele normalmente fica por volta da região em que o material foi processado, mas com chuva pode cair em um curso de água. Nos seres humanos, ele é conhecido por causar enfermidades neurológicas graves”, declara Giorgio. Na década de 80, o uso do mercúrio durante a intensa corrida pelo ouro na Serra Pelada causou sérias consequencias para a região. Além de chamar atenção por ter sido o local do maior garimpo a céu aberto do mundo, a exploração do ouro nas jazidas do estado do Pará ficou marcada pelas graves contaminações do solo e de trabalhadores. A falta de equipamentos de proteção, como máscaras ou luvas, permitiu que o mercúrio fosse diretamente inalado pelos garimpeiros, que sofreram com sérias complicações de saúde chegando, em certos casos, à óbito.

As atividades garimpeiras na Serra Pelada desaceleraram durante a década de 90 até serem interrompidas. As crateras abertas no período da exploração foram abandonadas sem qualquer tratamento de recuperação do solo. Hoje, Giorgio explica que a região está dividida entre cooperativas de garimpeiros. Algumas delas já fizeram parcerias com grandes empresas e reiniciaram atividades de escavações subterrâneas.

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Instalações de recuperação de ouro na
Serra Pelada (Foto: Divulgação/ Marcello Veiga)

A USP foi procurada por uma destas cooperativas para fazer um caminho diferente. Giorgio explica que o trabalho a ser realizado pela universidade é de reconhecimento do espaço antes da exploração. “Fomos procurados para reconhecer, saber como é a reserva. A ideia é fazer um plano de negócio para deixar a relação com um futuro investidor mais transparente”, diz.

Giorgio conta ainda ter realizado uma pesquisa de levantamento com garimpeiros da rSerra pelada sbre a aceitação de novas tecnologias limpas para a exploração de minerais. O resultado foi positovo em particamente 100% dos casos. No entanto, a falta de conhecimento sobre essas novas técnicas dificulta sua implantação pratica. “A saída é ter um programa de conscientização do garimpeiro para mostrar os riscos do mercúrio e a existência de tecnologias limpas. Além disso, autoridades precisam ensinar os garimpeiros a utilizar essas novas técnicas”, diz. O diretor do Núcleo de Pesquisa para a Pequena Mineração Responsável esclarece que ao invés de mercúrio, os garimpeiros poderiam usar o cianeto, substância não poluente e economicamente mais rentável. “Entendo que a solução não é legal ou ambiental, é econômica. Temos que mostrar que usando tecnologias limpas ele poderão tirar mais ouro”, afirma.