Qpor dia quantos são mortos por estupro

O adolescente Marcus Vinícius da Silva, de 14 anos, e sete pessoas mais morreram por disparos durante uma operação policial no Complexo da Maré, no Rio, numa quarta-feira de junho do ano passado. O garoto ia para a escola quando foi atingido por um tiro estômago. A fria estatística indica que naquele dia 17 brasileiros foram mortos por tiros da polícia. Eles representam um inquietante fenômeno que está crescendo no Brasil. As mortes em ações policiais aumentaram 19% no ano passado, embora os assassinatos em geral tenham caído 11%, segundo o detalhado Anuário de Segurança Pública 2019 elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apresentado nesta terça-feira em São Paulo. Os especialistas (acadêmicos, policiais, juízes, procuradores) que elaboraram o relatório de 200 páginas ressaltaram que não existe relação de causa e efeito entre os dois índices.

Uma análise dos dados por Estado mostra, segundo a diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, que “não existe uma correlação direta em que uma coisa se explica pela outra. Os crimes não diminuem mais onde há mais mortes nas mãos da polícia”.

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A mãe do adolescente Marcus Vinicius da Silva, morto após ser baleado na Maré.Fernando Sousa

As mortes em confrontos com as forças de segurança aumentaram em relação ao ano anterior. Em 2018, houve 17 mortes diárias, em comparação com as 14 por dia em 2017, quando também ocorreu um aumento significativo.

As tréguas entre facções criminosas são um dos fatores, mas não o único, como insistem os especialistas, que explicam o fato de as mortes violentas terem caído depois de atingir o número recorde de 64.000 em 2017. O Brasil, com 210 milhões de habitantes, é quase duas vezes maior que a União Europeia, e é o país do mundo com mais mortes intencionais.

Este anuário é uma detalhada radiografia da violência durante o ano que antecedeu a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, impulsionado, entre outros fatores, por um discurso de linha dura contra os criminosos, que convenceu milhões de brasileiros preocupados com a criminalidade. Diante de um Governo que pretende flexibilizar a compra e posse de armas, assim como as circunstâncias nas quais os policiais que matam suspeitos são isentados de culpa, os especialistas do Fórum criticaram as duas iniciativas, considerando-as ineficazes para combater a violência.

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A comparação com países vizinhos indica que a polícia brasileira está entre as mais letais da América Latina. Bueno detalhou que, embora a dinâmica da violência no Brasil seja semelhante à da Colômbia, lá as vítimas das forças policiais representam 1,5% dos homicídios em geral, sete vezes menos do que no Brasil. A porcentagem brasileira é equivalente à de El Salvador, de quase 11%. Ambos estão muito abaixo da Venezuela, onde as mortes em ações policiais representam arrepiantes 25% dos homicídios, em um país que o anuário destaca que não é democrático.

As vítimas da polícia brasileira são homens (99%), negros (75%), jovens (78%). Um dos especialistas do Fórum apontou o racismo estrutural que existe no Brasil entre os fatores que explicam o fato de que muito mais negros do que seus compatriotas brancos são mortos por tiros da polícia.

Educação sobre igualdade de gênero

O anuário inclui dados estarrecedores, como o de que quatro meninas com menos de 13 anos são estupradas a cada hora. A violência sexual atinge principalmente os mais vulneráveis, agredidos geralmente em suas casas − por seus pais, padrastos, tios, vizinhos ou primos. Por isso, o fórum destacou a importância de que as escolas eduquem sobre igualdade de gênero e violência sexual. As menores de 13 anos representam mais da metade (54%) das vítimas dos 66.000 estupros registrados, um dramático recorde no Brasil. As vítimas do sexo masculino são ainda mais jovens, a maioria tinha menos de sete anos. Tanto as vítimas de estupro como de feminicídio aumentaram 4%, com mais de 1.200 mulheres assassinadas principalmente por seus companheiros ou ex-companheiros em um país onde há uma denúncia por violência doméstica a cada dois minutos. O anuário inclui também dados animadores, como o de que os crimes contra o patrimônio caíram 14%.

Quatro garotas com menos de 13 anos são estupradas a cada hora no Brasil, e não uma violada a cada quatro horas, como foi erroneamente publicado em uma versão anterior desse texto.

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Protesto na praia de Copacabana em 2018 lembra morte da menina Maria Eduarda, e de outras 46 crianças vítimas da violência nos últimos anos.Fernando Frazão/Agência Brasil)

A cada hora, cinco crianças ou adolescentes são vítimas de violência sexual no Brasil. É o que mostra um levantamento inédito realizado pelo Unicef em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e lançado nesta sexta-feira. Os números apontam para uma triste realidade vivida por crianças e adolescentes no país: A cada ano, 7.100 deles são mortos de forma violenta, uma média de 20 por dia.

O levantamento foi feito por meio de uma análise dos boletins de ocorrência registrados em todos os 27 Estados do país entre 2016 e 2020, solicitados por meio da Lei de Acesso à Informação. Os registros que entraram na pesquisa foram os referentes a mortes violentas intencionais (homicídio doloso; feminicídio; latrocínio; lesão corporal seguida de morte; e mortes decorrentes de intervenção policial), e violência sexual (estupros e estupros de vulneráveis) contra crianças e adolescentes de 0 a 19 anos.

Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alerta que, apesar dos números preocupantes, a realidade ainda pode ser muito pior. “Estamos trabalhando com uma estimativa um tanto quanto conservadora”, diz ela. Isso porque nem sempre os boletins de ocorrência apresentam todas as informações como idade, raça e gênero das vítimas. Sofia Reinach, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também alerta para a subnotificação, especialmente nos casos de estupro. “Sabemos que violência sexual é um crime que tem muita subnotificação, então esse número é muito superior”, afirma ela.

Os números obtidos pelo levantamento traçam o perfil da agressão: crianças morrem, com frequência, em decorrência da violência doméstica, realizada por um agressor conhecido. O mesmo vale para a violência sexual contra elas, cometida dentro de casa, por pessoas próximas. Já os adolescentes morrem, majoritariamente, fora de casa, vítimas da violência armada urbana e do racismo. Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil, explica que por trás de cada boletim de ocorrência existe todo um entorno violento. “O que estamos vendo através dessa análise mostra como crianças e adolescentes estão vivendo em um ambiente extramente tóxico”, diz ela.

O levantamento mostra que as crianças negras são a maioria das vítimas de mortes violentas em todas as faixas etárias. E o percentual cresce à medida em que a faixa etária também sobe, chegando a 80% entre os maiores de 10 anos. A maioria das vítimas é do sexo masculino, e esse percentual também aumenta com a idade: entre 10 e 14 anos, eles são 78% das vítimas, e entre 15 e 19 anos, esse percentual sobe para 92%. “Quanto maior a faixa etária da vítima, maior o percentual de vítimas negras e do sexo masculino”, conclui Sofia.

Com base nesses números, o estudo mostra que, com o passar dos anos, o tipo de violência muda. Para os meninos, a faixa etária dos 10 aos 14 anos marca a transição da violência doméstica para a prevalência da violência urbana. Nessa idade começam a predominar mortes fora de casa, por arma de fogo e por autor desconhecido.

Nos 18 Estados que apresentaram dados completos para a série histórica, as mortes violentas de crianças de até 4 anos aumentaram 89% de 2016 a 2020 —passando de 121 em 2016, para 229 em 2020. De acordo com o levantamento, o aumento da violência na primeira infância foi causado especialmente pelo crescimento de mortes por armas de fogo nessa faixa etária, que triplicaram no mesmo período, partindo de 28 em 2016, para 85 em 2020. Além disso, no ano passado, mais de duas crianças e adolescentes de 10 a 19 anos foram mortas, por dia, em decorrência da intervenção policial no país.

Já no recorte da violência sexual, o estudo mostra que a grande maioria das vítimas (quase 80%) são meninas. Um número muito alto de casos envolve vítimas entre 10 e 14 anos de idade, sendo 13 anos a idade mais frequente entre os casos registrados. De 2017 a 2020 —houve um problema com os dados de 2016—, uma média de 45.000 crianças ou adolescentes foram vítimas de estupro por ano. Samira Bueno alerta que crianças até 10 anos representam 62.000 das vítimas nesse período. “É um terço do total”, diz ela. “Estamos falando de bebês e crianças”.

Recomendações

Diante do cenário preocupante, o Unicef apresentou algumas recomendações para tentar reduzir os índices de violência entre crianças e adolescentes. Dentre elas, estão proteger a criança pequena, que, em geral, é incapaz de identificar e comunicar adequadamente a violência sofrida. Ampliar o conhecimento de meninas e meninos sobre seus direitos e os riscos de violência, para que eles possam, assim, pedir ajuda. A lista também inclui capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes, para que eles possam identificar e responder às violências praticadas contra esse público.

Garantir a permanência de crianças e adolescentes na escola, trabalhar com as polícias para prevenir a violência, responsabilizar os autores das violências e investir no monitoramento e na geração de evidências completam a lista de recomendações do Unicef.