Entre os primeiros colonos ingleses que se de colocavam como os pais peregrinos

Veio da península ibérica o pioneirismo em se lançar ao mar e efetuar a conquista violenta das terras do continente americano. A Igreja Católica mediou as ambições de portugueses e espanhóis com o Tratado de Tordesilhas (1494), dividindo entre eles terras já ocupadas por outros povos. Mas França, Holanda e Inglaterra também traçaram planos para o chamado Novo Mundo: os franceses se interessaram pelo Rio de Janeiro, onde tentaram fincar a França Antártica, em meados do séc. XVI, fundaram Quebec, no atual Canadá, e se apossaram de uma região vasta dos atuais Estados Unidos, nomearam Louisiana. Os holandeses cobiçaram o nordeste brasileiro e lá se instalaram em nome do promissor negócio do açúcar, de inícios a meados do séc. XVII. E os ingleses? 

Os ingleses se fixaram em algumas ilhas do Caribe, como Jamaica e Barbados, e também na região central do continente, atual Belize. Na América do Sul marcaram presença com a Guiana. E também se apossaram do Suriname, que perderam em guerra com os holandeses. A Inglaterra, ao contrário do que fizeram Portugal e Espanha, não promoveu a colonização através do Estado, deixando a empreitada a cargo das iniciativas individuais e mais de 500 mil pessoas atravessaram o Atlântico da Inglaterra para a América do Norte. Para aqueles que se lançavam à vida naquelas terras, que desconheciam, diz a letra de The Pilgrim (O Peregrino; aquele que viaja): onward journey begun! (a jornada adiante começou!), the pilgrims course will take! (O curso dos peregrinos seguirá!). 

Mas quais as razões por trás de uma migração tão intensa? Algumas mudanças na Inglaterra dos séculos XV e XVII nos ajudam a entender esse processo: o cercamento dos campos, priorizando a criação de ovelhas para a produção de lã, deixou muitos camponeses sem trabalho. Além disso, as perseguições religiosas eram frequentes e intensas, em uma monarquia cujo absolutismo criou uma religião própria, o anglicanismo. A Igreja Anglicana foi criada com o Ato de Supremacia, de 1534, como uma instituição chefiada pelo monarca, Henrique VIII, que assim minava o poder da Igreja Católica em território inglês. A perseguição aos religiosos e o absolutismo foram reforçados no reinado de sua filha, Elizabeth I, e prosseguiram no governo de James I e de seu filho, Carlos I, fatores que desencadeariam a Revolução Puritana na Inglaterra, na década de 1640. 

Assim, no início do séc. XVII, os puritanos, como eram chamados os calvinistas radicais, estavam entre os principais perseguidos. Diante desse cenário, de escassez de trabalho e perseguição religiosa, a desconhecida e distante América parecia uma solução, uma alternativa que envolvia a fé em uma nova vida – mas “as batalhas sagradas têm seu preço” (holly battles take their toll), como diz a canção. 

Entre 1584 e 1585 o navegador inglês Walter Raleigh fundou o primeiro núcleo de colonização inglesa na América do Norte, na ilha de Roanoke, litoral da atual Carolina do Norte. Em 1590, uma nova expedição foi feita, ao mesmo local, no intuito de reforçar as primeiras bases coloniais, mas não havia ninguém mais lá. O único vestígio era uma inscrição numa árvore: “croatoan”, uma referência a algum líder indígena ou tribo. A colonização não se colocava, para os colonos, como um simples deslocamento e estabelecimento de uma nova vida em uma terra de tolerância e compaixão; tratava-se de tentar estabelecer-se em um lugar sobre o qual muito pouco se conhecia, cuja sobrevivência dependia da luta por recursos naturais em terras já ocupadas, o que gerava hostilidades e ataques, situações de tensão contínua: “as chaves para a morte e para o inferno / o reino da aflição, condenado a falhar” (The keys to death and hell / The ailing kingdom doomed to fail). 

No início do século XVII, após a morte de Elizabeth I (Tudor), a colonização é retomada com a subida ao poder da dinastia Stuart (James I), dessa vez através de empresas particulares como a London ou a Plymouth Company, organizadas por comerciantes. A London Company é responsável pela fundação, em 1607, da Virgínia (homenagem a Elizabeth I, conhecida como a “rainha virgem”). Para a monarquia inglesa a colonização da América do Norte era uma forma de manter camponeses desempregados, órfãos e puritanos longe de seu território, solucionando tensões sociais. Esse último grupo, por sinal, predominava entre os que estavam a bordo do navio Mayflower, que chegou a Massachusetts em 1620,levando mais de cem pessoas. Durante a viagem, os puritanos fizeram um pacto, o Mayflower compact, no qual se comprometiam a formar um corpo político-civil, firmando um pacto de autogoverno – o que, para a filósofa Hannah Arendt, é o que marca a diferença entre a colonização inglesa para as demais experiências colonizatórias da Idade Moderna. Este grupo foi considerado pela historiografia estadunidense como os Pais Peregrinos (Pilgrim Fathers), no sentido de serem entendidos como os pais fundadores dos Estados Unidos da América – e isso desconsiderando as matrizes indígenas nessa etapa inicial de fixação. 

Os peregrinos chegaram a Massachusetts em pleno inverno e, um ano depois, restava pouco mais da metade do grupo inicial. Mas a população colonial aumentou com a chegada de seguidos fluxos de religiosos de variadas correntes, aventureiros, degredados, comerciantes falidos, homens e mulheres sem posses, etc. E ao redor de Massachusetts desenvolveram-se outras colônias, como New Hampshire, Rhode Island e Connecticut, que formavam a região conhecida como Nova Inglaterra, onde a economia se desenvolveu de modo distinto das colônias inglesas do sul da América do Norte, local em que imperou a grande propriedade agrícola (plantations). Na Nova Inglaterra, ao norte, vigorou a pequena propriedade familiar voltada para a produção de subsistência e de mercado interno, sustentada pelo trabalho livre, além do bom desenvolvimento da pesca e da indústria naval, posteriormente. Nessa região, de onde os britânicos não extraíam tantos lucros como quanto faziam com as colônias do sul, não houve um controle tão rígido com o monopólio do sistema colonial, o que permitiu maior liberdade de comércio. Essas diferenças, na economia e nas formas de pensar a sociedade, se chocariam intensamente séculos depois, com a eclosão da Guerra de Secessão (1861-1865). E assim vemos parte das bases sobre as quais se assentaram as colônias que se transformariam nos Estados Unidos da América, erguidas a partir do absolutismo e da intolerância, ainda na Inglaterra, com a hostilidade aos indígenas e a luta pela sobrevivência, que demandariam um estado de vigilância contínua, atenta e armada, que deixaria marcas dolorosas na história do país, em feridas que avançaram entre os séculos XIX e XX e que nos chegam, ainda no séc. XXI. Diz a canção: prontos para a luta eterna / membros doloridos e almas indistintas / batalhas sagradas têm o seu preço (And ready for eternal fight Aching limbs and fainting soul Holy battles take their toll). 

Vocês já devem ter ouvido falar na expressão “Pais peregrinos”, que se refere à colonização ou à “fundação” dos Estados Unidos da América. Pois bem, esses “pais” (pilgrim fathers, no original, em inglês) não são exatamente fundadores dos EUA, no sentido de terem lá chegado primeiro e começado, “do nada”, a colonização. Não são também os ditos “Pais fundadores”, que aludem à expressão Founding Fathers (Pais Fundadores, em inglês), formulada pelo ex-presidente dos EUA, Warren Harding, para referir-se aos signatários da Independência.

Os “pais peregrinos” são aqueles que saíram da Inglaterra, em razão da reviravolta política desencadeada pela Reforma Protestante, e estabeleceram-se no nordeste dos EUA com a clara intenção de povoá-lo. A importância que os “pais peregrinos” receberam deve-se, em grande parte, à forma de organização social que eles empreenderam na região nordeste dos EUA, ou melhor, na colônia da Nova Inglaterra, uma das Treze Colônias que passaram a ser o “alicerce” da sociedade americana.

Esses “pais peregrinos” instalaram-se na faixa de terra que hoje é conhecida como o estado de Massachusetts, tendo vindo da Inglaterra a bordo do navio Mayflower (Flor de Maio). Os tripulantes do Mayflower eram puritanos (calvinistas britânicos) que fugiam do clima de guerra e perseguição instaurado na Inglaterra no início do século XVII. Antes deles, entretanto, o litoral dos EUA já havia recebido vários contingentes de pessoas de variados matizes.

Eles chegaram ao litoral americano em 1620 e, antes mesmo de desembarcarem, formularam um conjunto de regras a ser seguido quando se estabelecessem na Nova Inglaterra. Essas regras ficaram conhecidas como o Mayflower compact. Os peregrinos do navio Mayflower jugavam-se predestinados por Deus a ocuparem as terras do “novo mundo” e lá prosperarem. O peso da doutrina protestante puritana foi decisivo para essa concepção.

Apesar das dificuldades no início do empreendimento, um ano depois, em 1621, os “pais peregrinos” tiveram a sua primeira colheita dos grãos que foram plantados no ano de sua chegada. Após a colheita, fizeram uma festa com os alimentos no mês de outubro. Tal festa ficou conhecida como Dia de ação de graças (Thanksgiving Day, em inglês) e até hoje é celebrada nos Estados Unidos e também no Canadá toda segunda-feira da segunda semana do mês de outubro.

*Créditos da imagem: Shutterstock e chrisdorney

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