No Brasil quando vemos pessoas vivendo na extrema pobreza e o aumento da desigualdade social

A leve recuperação econômica observada nos últimos dois anos no Brasil não se refletiu de forma igual entre os diversos segmentos sociais. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB – a soma de todas as riquezas produzidas no país) cresceu 1,1% em 2017 e 2018, após as quedas de 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016, o rendimento dos 10% mais ricos da população subiu 4,1% em 2018 e o rendimento dos 40% mais pobres caiu 0,8%, na comparação com 2017.

Com isso, o índice que mede a razão entre os 10% que ganham mais e os 40% que ganham menos, que vinha caindo até 2015, quando atingiu 12, voltou a crescer e chegou a 13 em 2018. Ou seja, os 10% da população com os maiores rendimentos ganham, em média, 13 vezes mais do que os 40% da população com os menores rendimentos.

É o que mostra a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2019, divulgada hoje (6), no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo analisa as condições de vida da população brasileira.  

O levantamento começou a ser feito em 1999, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), e, desde 2012, passou a utilizar os dados da Pnad Contínua, ou seja, uma nova metodologia e, portanto, uma nova série histórica. Os dados divulgados hoje são referentes a 2018 e utilizam também outras informações, como a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) e o Sistema de Contas Nacionais.

Desigualdade

Segundo o IBGE, o aumento da desigualdade é reflexo da falta de ganho real no salário mínimo ocorrida em 2018, além da informalidade e da subutilização no mercado de trabalho, que atingem níveis recordes atualmente, com 41,4% das pessoas ocupadas nessa condição, de acordo com o gerente dos Indicadores Sociais do IBGE, André Simões.

“No mercado de trabalho, o que nós observamos é uma pequena redução na taxa de desocupação entre 2017 e 2018, juntamente com isso um pequeno aumento do rendimento do trabalho também. Apesar disso, vemos um aumento da subutilização da força de trabalho, encampado pelo aumento da proporção de pessoas com insuficiência de horas trabalhadas” disse. A subutilização passou de 15,8% em 2015 para 24,6% em 2018.  

O Índice de Gini, um padrão clássico para medir desigualdade, vem subindo há quatro anos no Brasil. Em 2015, atingiu o mínimo da série histórica, com 0,524 e chegou a 0,545 em 2018. Quanto mais próximo de zero, mais igualitária é a sociedade.

Extrema pobreza

No indicador da pobreza monetária, ou seja, que leva em conta apenas a renda, o Brasil também tem apresentado piora nos últimos quatro anos. Ao todo,  13,5 milhões de pessoas no Brasil viviam em 2018 com até R$ 145 por mês, o que corresponde a 6,5% da população, após a mínima de 4,5% em 2014.   O IBGE destaca que no Brasil há mais pessoas em situação de pobreza extrema do que toda a população de países como Bolívia, Bélgica, Grécia e Portugal. Desse total, 72,7% são pretas ou pardas.   Na faixa da pobreza, considerando o rendimento per capita de até R$ 420 por mês, houve uma leve redução, passando de 26% em 2017 para 25,3% em 2018, com  52,5 milhões de pessoas. Ou seja, 1,1 milhão de pessoas deixaram essa condição na comparação anual.  

O mínimo foi alcançado em 2014, com 22,8%. Por estado, o Maranhão tem a maior proporção de pobres, com 53% da população nesta condição, enquanto Santa Catarina tem a menor proporção, com 8%.

Redução da pobreza

André Simões explicou que o ingresso no mercado de trabalho é o principal meio de redução de pobreza. Porém, como os dados indicam que a faixa dos maiores rendimentos apresenta crescimento de renda enquanto os menores rendimentos estão estagnados ou com perdas, ele destacou a necessidade de outras medidas para reduzir as desigualdades sociais.

“Como é um grupo muito vulnerável e não está com uma propensão tão grande de entrar no mercado de trabalho quanto os outros grupos sociais, com rendimentos mais elevados, necessita de cuidados maiores, como políticas públicas, políticas de transferência de renda, políticas de dinamização do mercado de trabalho para que elas possam ter acesso a uma renda que as tire dessa situação de pobreza”, ponderou.  

O IBGE também analisou as condições da moradia e constatou que, no total do país, 12,8% das pessoas moram em domicílios com pelo menos uma inadequação, que são a ausência de banheiro exclusivo, paredes feitas com material não durável, adensamento excessivo ou ônus muito alto com o aluguel. Na população que vive com até R$ 420 mensais, a proporção sobe para 29,3%.

Quanto à ausência de serviços de saneamento, que são a coleta de lixo, o abastecimento de água e o esgotamento sanitário, 58% dos pobres vivem com pelo menos uma dessas situações, enquanto a proporção geral é de 37,2%.

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A crise sanitária permanece vigente e América Latina e Caribe é a região mais vulnerável do mundo nessa pandemia. Assim, como consequência da prolongada crise sanitária e social da pandemia da COVID-19, a taxa de extrema pobreza na América Latina teria aumentado de 13,1% da população em 2020 para 13,8% em 2021, um retrocesso de 27 anos, enquanto estima-se que a taxa geral de pobreza teria diminuído ligeiramente, de 33,0% para 32,1% da população. Isso significa que o número de pessoas em extrema pobreza passaria de 81 para 86 milhões, e o número total de pessoas em situação de pobreza cairia ligeiramente de 204 para 201 milhões, informou hoje a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

“Apesar da recuperação econômica experimentada em 2021, os níveis relativos e absolutos estimados de pobreza e de extrema pobreza mantiveram-se acima dos registrados em 2019, o que reflete a continuação da crise social. A crise também colocou em evidência a vulnerabilidade em que vive boa parte da população nos estratos de renda média, caracterizados por baixos níveis de contribuição para a proteção social contributiva e muito baixa cobertura da proteção social não contributiva”, afirma o relatório anual Panorama Social da América Latina 2021 lançado na coletiva de imprensa virtual pela Secretária-Executiva da CEPAL, Alicia Bárcena.

De acordo com o relatório, a região experimentou um evidente retrocesso em sua luta contra a pobreza em 2020 devido à pandemia. Tanto a pobreza como a extrema pobreza aumentaram pelo sexto ano consecutivo. Em 2020, a pobreza extrema subiu para níveis registrados há 27 anos, enquanto a taxa geral de pobreza ficou em um nível similar ao do final da década dos anos 2000.

No estudo, a CEPAL indica que em 2020 aumentou a proporção de mulheres que não recebem renda própria e se mantiveram as lacunas de pobreza nas áreas rurais, povos indígenas e crianças. Da mesma forma, ao examinar diferentes índices, entre eles, o coeficiente de Gini, constatou-se um aumento da desigualdade.

Segundo a Comissão Regional das Nações Unidas, a pobreza teria sido maior em 2020 se os países da região não tivessem adotado medidas como as transferências emergenciais de renda. A extrema pobreza teria sido cerca de 1,8 pontos percentuais mais alta, e a pobreza geral teria sido 2,9 pontos percentuais mais alta, em média, em 7 países.

Apesar do exposto, o Panorama Social 2021 registra que nos últimos 10 meses de 2020 as transferências emergenciais anunciadas pelos países para mitigar o efeito da crise representaram uma despesa de US$ 89,7 bilhões, enquanto nos primeiros dez meses de 2021 os gastos anunciados com essas medidas foram a metade: US$45,3 bilhões.

“A ‘recuperação’ econômica de 2021 não foi suficiente para mitigar os profundos efeitos sociais e do trabalho da pandemia, estreitamente vinculados à desigualdade de renda e gênero, à pobreza, à informalidade e à vulnerabilidade em que vive a população”, declarou Alicia Bárcena, Secretária-Executiva da CEPAL, que pediu para manter as transferências monetárias de emergência em 2022 ou até que a crise sanitária esteja controlada.

O documento afirma que a desigualdade aumentou entre 2019 e 2020, rompendo uma tendência decrescente que vinha sendo observada desde 2002. O Coeficiente de Gini - utilizado internacionalmente para medir a distribuição de renda - aumentou 0,7 pontos percentuais para a média regional entre 2019 e 2020. Essa deterioração está diretamente relacionada com as repercussões da pandemia.

América Latina e Caribe é uma das regiões do mundo que teve mais tempo de interrupção das aulas presenciais, em média cerca de 56 semanas de interrupção total ou parcial, o que gerou lacunas no desenvolvimento de habilidades cognitivas, a perda de oportunidades de aprendizagem e o risco de aumento do abandono escolar. Da mesma forma, o fechamento das escolas tem impactado na sobrecarga das tarefas de cuidado das mulheres. Por isso, o retorno seguro às aulas presenciais é urgente em 2022, sublinha a Comissão Regional das Nações Unidas.

No estudo, a CEPAL ressalta que sem o controle da crise sanitária a recuperação econômica não será sustentável, e alerta que América Latina e Caribe é a região mais vulnerável do mundo diante da COVID-19.

A região apresenta o maior número de óbitos relatado da COVID-19 em âmbito global (1.562.845 até 31 de dezembro de 2021), um número que seguirá crescendo enquanto persistir a pandemia. Esse representa 28,8% do total de óbitos por COVID-19 observado no mundo, apesar da população da região alcançar somente 8,4% da população mundial.

Em 26 de janeiro de 2022, 62,3% da população da América Latina e do Caribe (em torno de 408 milhões de pessoas) contava com um esquema completo de vacinação, para o qual a CEPAL pede para aumentar esforços, de tal maneira que até meados de 2022 todos os países da região tenham vacinado 70% de sua população com o esquema completo.

Para atingir esse objetivo, aponta a Comissão, é urgente fortalecer os programas de compra de vacinas e os mecanismos de cooperação e coordenação regional, alinhados com o Plano de Autossuficiência Sanitária para a América Latina e o Caribe, aprovado pela Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC) e elaborado pela CEPAL.

“A pandemia é uma oportunidade histórica para construir um novo pacto social que dê proteção, certeza e confiança. Um novo contrato social deve avançar e fortalecer a institucionalidade dos sistemas de proteção social e promover que esses sejam universais, integrais, sustentáveis e resilientes. Anos de menor crescimento económico estão chegando e, se não forem mantidos os esforços para proteger o bem-estar da população, serão maiores os aumentos da pobreza e da desigualdade na região”, declarou Alicia Bárcena.

Um pacto social requer um novo contrato fiscal com progressividade, acompanhado de objetivos muito concretos, como dar sustentabilidade financeira a uma proteção social universal e com níveis de suficiência adequados que inclua toda a população, considerou.

Também é urgente reestruturar os sistemas de sáude, avançar rumo a uma cobertura universal, com atenção oportuna e de qualidade para toda a população, e que o Estado atue como garantidor do direito à saúde.

Finalmente, o relatório aborda a proposta da CEPAL de avançar rumo a uma sociedade do cuidado, que supõe reconhecer que o cuidado é uma necessidade universal e ao mesmo tempo expressa diversidades estruturais como o ciclo de vida, as condições físicas, as condições socioeconômicas e de renda e as diferenças territoriais. “A universalidade, a coordenação interinstitucional e intersetorial, corresponsabilidade e a sustentabilidade financeira constituem pilares fundamentais das políticas integrais de cuidados que a região necessita”, conclui o documento.