Por que falar sobre povos indígenas na escola

Os indígenas possuem várias contribuições para o povo brasileiro, e ensinar a importância dessa população para os alunos é mostrar o quanto essa cultura faz parte de nós.

Trabalhar a cultura indígena na escola. Você, educador, já se perguntou como mostrar o valor dos indígenas para a nossa cultura?

No dia 9 de agosto é comemorado o Dia Mundial dos Povos Indígenas, data marcada pela ONU para celebrar a cultura e importância desse povo para a sociedade.

Porém, a inclusão dessa temática não pode ser resumida a um único dia, uma vez que a educação indígena já é obrigatória no currículo escolar. Então, para saber como trabalhar a cultura indígena em sala de aula, acompanhe o artigo!

Os povos indígenas no Brasil e o currículo escolar

Sem dúvidas, os povos indígenas possuem grande relevância para a formação do Brasil contemporâneo. Entretanto, ainda assim esses povos são tratados de forma equivocada, restringindo sua existência ao dia do índio, em 19 de abril.

Primeiramente, a data mais precisa para essa comemoração é em 9 de agosto, data em que as Nações Unidas ressaltam o valor dos indígenas para a sociedade. 

Afinal, a LDB/1996 já garantia o tratamento dessa temática no currículo escolar, determinando a abordagem da cultura indígena e afro-brasileira, acentuando sua contribuição social, econômica e política para a história do povo brasileiro.

Mais a frente, novos aparatos legais surgiram. As resoluções 10.639/2003, 11.645/2008 e CNE/CEB 02/2012 reafirmaram a aplicação do tema nas escolas brasileiras, desde a pré-escola até o ensino médio.

Dessa forma, com a legislação em vigor, é momento de os professores buscarem maneiras de trabalhar corretamente a cultura indígena na escola.

Para isso, algumas dicas são válidas. Conheça cada uma delas a seguir.

1. Cultura material e culinária

É relevante mostrar objetos e artefatos pertencentes aos povos indígenas, de modo que os alunos conheçam a rotina e hábitos de vida dos indígenas. Igualmente, é válido mencionar os alimentos típicos dessa população.

Também é importante reforçar o artesanato indígena, umas das principais marcas de representatividade dos índios. Por meio dessa arte, os indígenas expressam sua maneira de aproveitar os recursos naturais de maneira sustentável.

O objetivo de explicar esses novos termos é desconstruir a visão europeia, onde os índios são ligados a povos rebeldes, sem cultura e sem educação, fato este que não é verdade.

2. Youtubers indígenas

Com os jovens cada vez mais antenados no mundo da internet, inserir a figura de outros jovens pode ser um modo de trabalhar essa realidade, expondo a realidade de quem nasceu e/ou vive em terras indígenas.

Nesse sentido, alguns produtores de conteúdo digital se sobressaem e merecem destaque:

  • Canal Wariu: Cristian Wari’u traz uma abordagem didática da cultura indígena;
  • Ysani Kalapalo: Ysani fala sobre diversos assuntos sobre os povos indígenas, desde o surgimento até os dias atuais;
  • Benicio Pitaguary: através de publicações semanais, Benicio Pitaguary mostra os detalhes da pintura de resto, famosa herança cultural dessa população.

3. Debates sobre produção indígena

Incentivar o debate acerca do dia a dia dos índios é primordial para conhecer melhor sobre como eles se constituíram e qual sua importância para nossa sociedade.

Neste sentido, podem ser levados textos e documentários para os alunos assistirem exporem sua opinião. Uma produção recente e atualizada é o “Falas da Terra”, da Globoplay, que contou com a produção de indígenas no roteiro, direção e produção como um todo, mostrando diferentes nuances dos indígenas hoje no país e sua ligação com o meio ambiente, trabalho e ancestralidade.

4. Contribuição para a Língua Portuguesa

Muitas palavras que falamos hoje são originárias dos povos indígenas. Deste modo, é interessante ensinar essas palavras de origem indígena aos pequenos para que eles aprendam a contribuição que estes povos têm sobre a nossa comunicação.

Uma excelente maneira de trabalhar as palavras é usando a musicalidade e a contação de histórias, principalmente nas séries iniciais, onde as crianças adoram esse tipo de atividade.

Aqui vale mencionar a influência da língua tupi-guarani e do macro-jê para o nosso linguajar. Abacaxi, amendoim, pipoca, samambaia e capivari são apenas alguns exemplos dessa interferência.

5. O indígena na atualidade

O último censo do IBGE revelou que havia aproximadamente 900 mil indígenas no território brasileiro, o que só mostra como esse povo constitui boa parte de nossa população.

Assim, por isso mesmo é que a cultura indígena em sala de aula precisa ser trabalhada continuamente no currículo educacional, devido sua enorme diversidade.

Nesse sentido, torna-se vital usar da interdisciplinaridade dos conteúdos, trazendo textos, músicas e outros recursos da cultura indígena para o estudo durante o decorrer do ano letivo, não somente em um único dia do ano.

Afinal, como trabalhar a cultura indígena na sala de aula?

Uma vez que a legislação educacional prevê a obrigatoriedade de inserir a cultura indígena em sala de aula, em todos os anos da educação básica. Porém, isso não quer dizer que a menção a essa população deve ser feita apenas nesta data

Isso porque a cultura indígena na escola pode – e deve – ser trabalhada de modo contextualizado, a partir da interdisciplinaridade. 

Da mesma forma, não é apropriado realizar uma abordagem associada ao aspecto estereotipado de uma pessoa sem vestes, sempre caçando e dentro de uma oca. Não que existam índios assim, mas esse é apenas um dos diversos exemplos, dado que a diversidade cultura indígena é bem rica. 

Logo, é fundamental expor o maior número possível de nações indígenas para os alunos conhecerem. Portanto, o ganho pedagógico dessa nova metodologia tem tudo para modificar os conceitos até então enraizados sobre os povos indígenas. 

Ou seja, se a criança aprende desde cedo sobre a real contribuição desta nação para a sua cultura, possivelmente sua visão tende a não ser preconceituosa, uma vez que reconhece o valor dessa população para o Brasil.

Diante disso, para que os alunos tenham uma melhor aprendizagem sobre o assunto, a tecnologia pode ajudar em muito nessa tarefa, principalmente na associação da temática dentro das disciplinas. 

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Por que falar sobre povos indígenas na escola
Mulher xavante ensina sua neta recolher sementes de capim para confeccionar colares e enfeites. Aldeia Wederã, MT. Foto: Camila Gauditano

Ao longo de toda vida as pessoas passam por muitos aprendizados. Aprende-se dos mais diferentes jeitos e em vários momentos. O que se aprende e com quem se aprende também é muito diverso em cada lugar.

As crianças indígenas, por exemplo, aprendem muita coisa com seus pais e parentes mais próximos, como os irmãos e os avós. Os conhecimentos podem ser transmitidos durante as atividades do dia a dia ou em momentos especiais, durante os rituais e as festas.

Mulher xavante confeccionando cesto de palha de buriti. Aldeia Wederã, MT. Foto: Camila Gauditano

É principalmente na relação com seus parentes que as crianças aprendem. Caminham junto com eles, observam atentamente aquilo que os mais velhos estão fazendo ou dizendo; acompanham seus pais até a roça; vão pescar com os adultos e brincam muito! Cada brincadeira é um jeito de aprender uma habilidade que será importante no futuro, como saber caçar, pescar, fazer pinturas no corpo, fabricar arcos e flechas, potes, cestos... É por meio destes processos de aprendizagem que as crianças aprimoram as técnicas necessárias para realizar tais atividades.

Mulher e crianças xavante descascando abóbora. Aldeia Etenhiritipá, MT. Foto: Camila Gauditano.

Na convivência com os mais velhos, aprende-se o jeito certo de se comportar e de se relacionar com todos da família e do grupo. Dessa forma as crianças aprendem, por exemplo, quem são as pessoas que devem ser tratadas como irmãos e irmãs, como tios e tias, com quem poderão se casar no futuro... Dessa maneira vão entendendo qual a sua importância na comunidade.

Pouco a pouco, as crianças aprendem os modos de agir, os princípios e tudo aquilo que é importante para que se tornem pessoas produtivas e participativas. Para isso é muito importante estarem sempre atentas aos trabalhos diários e ao aprendizado e transmissão de conhecimentos.

Tem escola na aldeia?

Sim, muitas aldeias têm escola! Como se sabe, a maioria das aldeias fica dentro de Terras Indígenas, assim cada Terra pode ter uma ou mais escolas. Isso vai depender de seu tamanho e da situação de cada comunidade.

Por que falar sobre povos indígenas na escola
Crianças Irantxe dançando, aldeia Cravari, Terra Indígena Irantxe, Mato Grosso. Foto: Ana Cecilia Venci Bueno.

As escolas indígenas, assim como aquelas dos não índios, também são um espaço de aprendizado das crianças. Muitas vezes o conteúdo que é ensinado ali pelos professores é bem diferente daquele que é transmitido pelos parentes na aldeia. É claro que estes conteúdos podem se misturar em alguns momentos, mas a escola tem como foco ensinar a escrever, ler, fazer conta, entre outros conhecimentos importantes para o diálogo com o mundo dos não índios, já os parentes ensinam as formas de se organizar da comunidade, como produzir artefatos e tudo aquilo que é importante para se viver bem naquele grupo.

Alunos da Associação Escola Indígena Tuyuka Utapinopona (AEITU), Comunidade São Pedro, Alto Rio Tiquié, Terra Indígena Alto Rio Negro. Foto: Aloisio Cabalzar.

Além disso, o conteúdo que se aprende nas escolas indígenas é diferente daquele das escolas dos não índios. Isso porque os povos indígenas têm direito a ter uma escola diferenciada, isto é, uma escola que ensine conteúdos que se relacionem com a cultura e a língua de cada povo. Mas nem sempre esses direitos são respeitados. Muitas vezes, os professores e os livros usados nas escolas indígenas falam de assuntos que não estão ligados ao cotidiano das comunidades indígenas e ensinam o ponto de vista dos não índios como o único ponto de vista correto.

A história da educação nas escolas indígenas no Brasil mostra que, de um modo geral, a escola buscou integrar as populações indígenas à sociedade à sua volta, ou seja, fazer com que eles fizessem parte dela. Mas a “integração” era, na verdade, uma tentativa de faz com que os índios vivessem como os não índios, ensinando-os a falar, ler e escrever em Português, a língua oficial do país. Somente há pouco tempo línguas indígenas passaram a ser usadas na escola.

A escola pode ajudar a valorizar as línguas indígenas?

Nos anos 90 surgiram novos modelos de escola indígena preocupados em respeitar as diferentes culturas, especialmente as línguas. Assim, a escola passou a ser um espaço que estimula e fortalece o uso das línguas indígenas.

Por que falar sobre povos indígenas na escola
Confecção de brinquedos tradicionais Ikpeng, acompanhamento pedagógico na Escola Central Ikpeng. Parque Indígena do Xingu. Foto: Rosana Gasparini.

Foi a partir desse momento que os próprios índios se tornaram professores nas escolas das aldeias e a língua indígena passou a ser utilizada em sala de aula. Os conteúdos tratados nos cursos foram adaptados pelos próprios índios para dialogar melhor com a realidade vivida por cada comunidade.

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Turma de alfabetização do professor Arautará, acompanhamento pedagógico na escola Karib, comunidade Kuikuro, Parque Indígena do Xingu. Foto: Acervo ISA

A escola indígena além de abordar muitos conteúdos que os não índios aprendem, ensinar a fazer conta, a ler e a escrever na língua indígena, também passou a incluir os conhecimentos locais na sala de aula. Os alunos aprendem, por exemplo, como usar os recursos naturais e cuidar do ambiente e do território onde vivem, aprendem sobre a história de seus antepassados, seus mitos etc. Além disso, seu calendário escolar é diferente, pois respeita as festas e rituais locais.

Esse novo modelo de educação ajuda a valorizar a língua indígena, e também todo o modo de ser do grupo que a criança pertence, isso porque ela aprende conteúdos que se referem à sua vida e a vida de sua comunidade.

Por que aprender Português é importante?

Mesmo tendo aulas na língua indígena é muito importante aprender o português na escola. Saber falar a língua portuguesa é uma das maneiras que os povos indígenas têm para se comunicar com diferentes pessoas, interpretar e compreender as leis que orientam a vida no país, principalmente aquelas que dizem respeito aos direitos dos índios. Afinal todos os documentos necessários para se viver na sociedade brasileira são escritos em Português.

O aprendizado da escrita em Português tem, para os povos indígenas, funções muito claras: dá chance de defenderem seus diretos e acesso ao conhecimento de outras sociedades.

Como aprendem os Xavante

Mulher xavante retorna do rio. Aldeia Etenhiritipá, MT. Foto: Camila Gauditano

Camila Gauditano, educadora e antropóloga

Os Xavante, que vivem no estado do Mato Grosso, no cerrado brasileiro, se autodenominam A’uwé que na língua Akwén quer dizer “gente”.

O aprendizado entre os Xavante é um processo que acontece ao longo de toda a vida, desde quando se é criança até a velhice. Em cada etapa deste longo caminho, novos conhecimentos são adquiridos nas mais diferentes situações: algumas são entendidas como momentos de aprendizagem (como é o caso dos rituais), outras estão relacionadas com as pequenas atividades realizadas no dia a dia.

Mulheres xavantes recolhem urucum.Aldeia Wederã, MT. Foto: Camila Gauditano

As situações mais cotidianas são momentos de aprendizagem valorizados pelos A’uwé. As crianças costumam caminhar livres pela aldeia acompanhando outras pessoas (sejam crianças, velhos ou adultos) em suas atividades e são nestas ocasiões que elas aprendem a identificar as regras que orientam sua sociedade.

Menina xavante volta do rio com sua irmã. Aldeia Etenhiritipá, MT. Foto: Camila Gauditano

As tarefas domésticas são aprendidas no cotidiano. Ao mesmo tempo em que ajudam seus parentes a tomar conta do irmão, lavar roupa, levar e trazer recados, preparar comidas, as crianças brincam e se divertem. Assim o aprendizado vai acontecendo aos poucos.

A brincadeira é um jeito de aprender. Os meninos, por exemplo, aprendem a fazer arcos e flechas desde pequenos e brincam ao redor da casa imitando caçadores e bichos. Vão aperfeiçoando a maneira de fazer os objetos e assim, quando forem adultos, conseguirão fazer arcos e flechas bonitos e bons para caçar, além de desenvolverem as habilidades físicas para se tornarem bons caçadores.

Menina xavante pilando arroz. Aldeia Etenhiritipá, MT. Foto: Camila Gauditano.

As crianças xavante costumam repetir muitas vezes a mesma brincadeira, buscando novas possibilidades e desafios a cada repetição. Dessa forma melhoram suas habilidades e aprendem suas possibilidades e do mundo à sua volta. Brincar de casinha é um bom exemplo disso. Ao construir com o barro uma casa em miniatura, imitam as divisões internas de sua própria casa e assim a criança xavante reflete sobre a organização doméstica e os espaços da aldeia, e aprofunda o conhecimento que tem sobre sua comunidade.

Menino xavante quebrando coquinho do cerrado para comer. Aldeia Etenhiritipá, MT. Foto: Camila Gauditano.

Os rituais são importantes situações de aprendizagem. Nestes momentos todo mundo aprende: os jovens aprendem mais sobre os valores, princípios e modos de agir do seu grupo e os adultos aprendem com os mais velhos todos os detalhes da realização de um ritual.

Estes momentos buscam enfatizar as divisões e as regras sociais xavantes e fixar os conhecimentos sobre as mesmas. Têm por objetivo marcar períodos de amadurecimento, de passagem de uma fase da vida para outra, da fase de criança para a idade adulta, por exemplo. Nos rituais de passagem aprende-se como agir socialmente: o que a comunidade espera, quais atitudes se deve ter dali para frente. Os rituais têm objetivos concretos como demonstrar que aqueles meninos já conseguem enfrentar desafios físicos, que conhecem importantes cantos, que já fazem parte dos sistemas de troca a’uwé etc.

Além dessas situações de aprendizado, os Xavante também valorizam a educação escolar, pois percebem que é um importante instrumento para a compreensão do mundo fora da aldeia, além de permitir o domínio de conhecimentos e tecnologias específicas dos não indígenas.

Como ensinam os Yudja

Os Yudja, até pouco tempo conhecidos como Juruna, falam uma língua do tronco Tupi. Yudja em seu idioma quer dizer "donos do rio".

Aruala pinta Kudaximã antes da cantoria para a colheita da mandioca. Foto: Paula Mendonça/ISA, 2006.

Habitam na beira do rio Xingu, no Mato Grosso, e também perto da foz do rio próximo à cidade de Altamira, no Pará. Eles chamam a atenção por terem uma pintura corporal muito bonita, muitas músicas e festas, por gostarem de tomar caxiri (bebida feita de mandioca) e fazerem canoas e panelas de cerâmica.

Os Yudja, aproximadamente 348 pessoas, vivem hoje divididos em 6 aldeias: Paksamba, Pequizal, Tuba Tuba, Mupadá, Paruredá e Pakaya.

O texto abaixo foi produzido pelos alunos e professores da escola Yudja.

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Primeira oficina de tintas na aldeia Paksamba. Foto: Katia Ono/ISA, 2006.

A educação yudja é desenvolvida pra formar para o trabalho e para o bom comportamento. A pessoa aprende através da prática, acompanhando alguma atividade, olhando e ouvindo com atenção, imitando o jeito de fazer ou mesmo brincando de fazer como os adultos. A pessoa tem que ser curiosa também e perguntar com interesse de aprender.

Os pais aconselham seus filhos à noite, durante conversas antes de dormir, contanto histórias antigas que educam.

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Dando os primeiros passos - aldeia Tuba Tuba. Foto: Paula Mendonça/ISA, 2007.

Durante o desenvolvimento da pessoa, quando a criança começa a andar e falar, nós a chamamos ali. Nessa fase os pais pedem as coisas à criança para pegar alguma coisa, passar um recado ou chamar uma pessoa na outra casa, só para os pais verificarem se aquela criança já entende o que foi pedido.

Jovem Kumanu aprende a fazer flecha observando seu pai Kanabá. Primeira oficina de flechas na aldeia Tuba Tuba. Foto: Paula Mendonça/ISA, 2005.

Também nessa fase, ela deve aprender alguma coisa com sua família, vendo o trabalho dela, imitando e praticando. A criança com 5 a 8 anos já pode começar a ajudar em alguns tipos de trabalho como fiar algodão, fazer tecelagem, fazer arquinho e flecha, acompanhar os pais na pesca e em festas.

Mas para alguns trabalhos existem regras e só é permitido fazer a partir de mais ou menos 10 anos de idade. Quando essa pessoa se torna iparaha (jovem), ela passa por uma preparação durante o período de reclusão, onde ela fortalece e aprofunda seu conhecimento sobre as histórias, comportamento, remédios especiais que ela toma para crescer saudável e as atividades para o trabalho como: fazer cerâmica, tecelagem, pinturas, receitas de comida, plantio de alimentos, roçadas, fazer casa, caçar, pescar e outras atividades.

Assim ela se prepara para quando se casar, passar esse conhecimento para seus filhos.

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Primeira oficina de tintas na aldeia Paksamba. Foto: Katia Ono/ISA, 2006.

A educação na escola deve caminhar junto com a educação tradicional do povo Yudja. A escola deve ensinar a escrita e a fala do não índio para se comunicar com falantes de outras línguas, também deve ensinar a escrita de nossa língua e fortalecer nossa cultura.

Todos devem participar da escola: alunos, pais de alunos, professores, idosos, crianças, adultos, jovens, toda a comunidade.

O que os Kisêdjê aprendem com os mais velhos

Os Kisêdjê, também chamados de Suyá, vivem no Parque Indígena do Xingu. A palavra Kisêdjê significa ouvir, compreender e saber e estas são as qualidades mais valorizadas por este grupo.

No texto abaixo, retirado do livro Ecologia, Economia e Cultura (2005), eles contam o que aprendem com os mais velhos.

Os valores são ensinados pelos velhos, pelos avós e pelos pais desde criança. Ensinar a respeitar as pessoas, ter bom comportamento, caçar, pescar, saber dar valor à natureza e à vida humana. Saber tratar os convidados e as famílias mais próximas e distantes. Ensinar a fazer artesanato, respeitar cada animal e outros seres que existem na natureza. Ser generoso, honesto com os seres humanos. Seguir as regras dos mais velhos, das coisas que eles nos ensinam. Respeitar lugares e objetos que têm suas histórias contadas pelos mais velhos.

Existem lugares e objetos sagrados, principalmente o lugar e os objetos de reza do pajé, como o apito feito com o osso de ave, o cigarro e as ervas. Muitas pessoas respeitam e consideram os próprios pajés como pessoas sagradas. As montanhas e as lagoas que têm sua história contada pelos mais velhos, também são sagradas.

Aprendendo com os Yanomami

Os Yanomami são um povo que vive na floresta amazônica, no Brasil - nos estados de Amazonas e Roraima, – e também na Venezuela. No Brasil os Yanomami somam mais de 19 mil pessoas.

Apesar de falarmos “povo Yanomami”, eles se dividem em vários grupos que são diferentes entre si. Para se ter uma ideia, existem cinco línguas yanomami diferentes e cerca de 211 aldeias! Eles vivem na maior terra indígena do Brasil.

Nesse texto, você entende como as crianças yanomami aprendem com seus parentes durante as atividades do cotidiano. Se você é curioso, não deixe dar uma olhada no texto escrito em yanomami, logo abaixo!

Nós Yanomami ensinamos nossas crianças nas tarefas cotidianas. Assim, quando a mãe trança um cesto a filha observa e tenta fazer um cesto pequeno, ao mesmo tempo que brinca imitando a mãe ela aprende a trançar o cesto.

Katia carregando seu pequeno wii a (cesto), na aldeia Watoriki, da Terra Indígena Yanomami(AM). Ana Maria A. Machado

Da mesma forma, quando o pai vai caçar perto da casa, leva seu filho junto para que ele conheça a floresta, as plantas, os animais. É comum que o pai faça um arco e flecha pequenos para que o filho aprenda a flechar pequenos animais, assim ele vai treinando para quando crescer virar um bom caçador.

As crianças também aprendem ouvindo os mais velhos falarem durante o hereamu, que são momentos em que assuntos importantes são discutidos na comunidade. Essas falas acontecem quase todos os dias à noite ou quando está amanhecendo. Durante as festas, as crianças aprendem a dançar e cantar. Nas sessões de xamanismo as crianças sempre ouvem, olham e depois brincam imitando os cantos dos xamãs.

Normalmente os irmãos mais velhos ajudam os irmãos mais novos, ensinando coisas e cuidando deles.

As crianças quando são pequenas não ouvem direito, na medida em que vão crescendo, vão entendendo melhor e aprendendo novas coisas.

Esse é o jeito como nós Yanomami ensinamos e aprendemos as coisas da nossa cultura fora da escola.

Texto extraído do Projeto Político Pedagógico da região do Toototopi.

Oxë thëpë pihi moyãm+pruu kua pënaha

Hapë naha thë kua, kami yamakɨ hwɨɨ pënɨ yamakɨ ã hiramaɨ he. Waro a kuo tëhë, xaraka pë hiramaɨ he, xaraka a niaɨwi thëpë hiramɨhe. Hwɨɨ exë, nɨɨ exë, kupë kuu tëhë, ihiru pë epë pree huu, kuë yaro ihiru pë epë pree kiaɨ pairimuu.

Kami Yanomae yamakɨ oxe mahio tëhë, yama thëpë ã hapa hirii parɨo huruu. Pata thëpë hereamou tëhë, yama thëpë ã pree hirii. Thëpë pree xapirimou tëhë, yama thëpë ã pree hirii, reahu a kuo tëhë yamakɨ praɨaɨ pree wapamu.

Kami yamakɨ oxe mahio tëhë kami yamakɨ hwɨɨ pënɨ kami yama kɨ nɨɨ pëxë, kami yamakɨ yau pëxë, yama kɨã hapa hiramaɨ parɨohe.

Hapa yamakɨ oxe mahio tëhë, yama thëpë ã hiripraimi, makii waiha yamakɨ patarayu tëhë yama thë pë ã hiri praɨxoao, ɨnaha kami Yanomae yamakɨ oxe thëpë hiramaɨ kua pëhenaha.

Coisas que só as crianças yanomami sabem

Ana Maria Machado, pedagoga

Nas aldeias do povo Yanomami, os velhos são grandes conhecedores das histórias dos antigos, das plantas e alimentos da floresta, mas se você quiser saber o nome de algum passarinho, é melhor perguntar para as crianças: os meninos yanomami conhecem muitos dos 500 tipos de passarinhos que existem por ali.

Desde pequenos, antes mesmo de aprenderem a falar, os meninos yanomami ganham de seus parentes um pequeno arco acompanhado de uma flechinha sem ponta, para que comecem a aprender a flechar desde novinhos. Quando os meninos têm aproximadamente 4 anos de idade, já sabem usar o arco e a flecha e passam horas do dia procurando passarinhos, calangos ou frutas para flechar. Os passarinhos são o tipo de caça preferido pela criançada!

Crianças brincando de jogar flecha nos arredores da casa coletiva, na aldeia Watoriki, Terra Indígena Yanomami (AM). Ana Maria A. Machado

Falar sobre passarinho é um papo comum dos meninos yanomami, sempre que um deles captura um passarinho, vai logo mostrá-lo aos outros. Os meninos conversam sobre as características dos bichinhos e sobre seus nomes, assim vão trocando conhecimentos sobre os pássaros uns com os outros e aprendendo cada vez mais sobre eles.

Conforme vão crescendo, os meninos passam a acompanhar os pais em caçadas longas, em regiões mais distantes, e aos poucos perdem o interesse por caçar passarinhos. Eles começam a flechar animais maiores – como mutuns, pacas, cutias, queixadas, veados e até antas. Por isso, alguns Yanomami crescidos contam ter esquecido os nomes dos pequenos pássaros. Mas é só olhar para a criançada na aldeia e você vai perceber que eles estão caçando passarinhos e trocando conhecimento sobre as pequenas aves.

Assim, os maiores conhecedores dos passarinhos são e sempre serão os pequenos yanomami!

Fontes de informação

No tempo e no espaço: brincadeiras das crianças A’uwe-Xavante, do livro Crianças Indígenas: ensaios antropológicos(2002).

Entre o canto e a caneta: oralidade, escrita e conhecimento entre os Guarani Mbya(2008).

  • Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX) e Instituto Socioambiental (ISA)

Ecologia, Economia e Cultura - livro 1 (2005).

  • Programa Xingu - Instituto Socioambiental

Projeto Político Pedagógico Povo Yudjá, aldeia Tuba Tuba (2008).

  • Site Povos Indígenas no Brasil (PIB)