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Biblioteca Básica de Alfabetização e Letramento Educação matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental Princípios e práticas pedagógicas Vanessa Dias Moretti Neusa Maria Marques de Souza

Sumário INTRODUÇÃO Razões para este livro.................................................10 CAPÍTULO 1 Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil...........................................15 Alfabetização matemática ou letramento em matemática?...........................................................17 Educação matemática, apropriação de conceitos e desenvolvimento do pensamento teórico..........................22 O jogo no ensino e a atividade principal da criança................29 Ler e escrever Matemática é possível? Explorando símbolos, significados e enunciados...................35 Por uma ação reflexiva...................................................40 Proposta prática............................................................46 Produção de maquetes...................................................46 Adição e ábaco..............................................................47 Livros sugeridos para ações literárias................................51 Para além da sala de aula...............................................54 Para conhecer mais.......................................................55.

00_introducao_educacao matematica_livro 5/25/15 11:06 AM Page 7 CAPÍTULO 2 O significado no número e alguns usos sociais: contar, operar, estimar...................................................56 Como ensinar o conceito de número natural?......................60 Entendendo o Sistema de Numeração Decimal (SND)............74 Operando com os números naturais..................................79 As ideias relacionadas à adição e à subtração......................82 As ideias relacionadas à multiplicação e à divisão.................89 O sentido dos algoritmos da adição e da subtração...............94 Proposta prática............................................................98 Livros sugeridos para ações literárias Para além da sala de aula Para conhecer mais..............................109..............................................112......................................................113

00_introducao_educacao matematica_livro 5/25/15 11:06 AM Page 8 CAPÍTULO 3 Espaço, formas, grandezas e medidas: conceitos e abordagens................................................114 Sobre espaço e formas: por onde começar?.......................117 Figuras geométricas.....................................................124 Simetria e transformações.............................................133 Sobre medidas e grandezas: por onde começar?.................135 Proposta prática..........................................................145 Livros sugeridos para ações literárias...............................155 Para além da sala de aula..............................................158 Para conhecer mais......................................................159

CAPÍTULO 4 Organização do ensino da Matemática e a atividade dos professores........................................160 Na prática a teoria não é outra: o que muda, então?.............163 Proposta prática..........................................................168 O letramento na educação matemática ou a educação matemática no letramento?.......................195 Livros sugeridos para ações literárias...............................199 Para além da sala de aula..............................................202 Para conhecer mais.....................................................203 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................204 BIOGRAFIAS.............................................................215

01_educacao matematica_cap 01_livro 5/21/15 10:24 PM Page 15 15 CAPÍTULO 1 Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil O trânsito correto e oportuno das crianças do apoio na evidência natural até a faculdade de orientação nas relações das próprias grandezas e números (nas relações abstratas ) é uma condição importante para iniciar-se no domínio da Matemática. No entanto, na prática, a manutenção excessiva das crianças no nível das representações sobre os objetos reais circundantes e seus conjuntos, entorpece a formação dos conceitos genuinamente matemáticos (Davídov, 1982, p. 156).

16 CAPÍTULO 1 Apesar da crença que aflora do senso comum de que, para aprender Matemática, o sujeito primeiro precisa ser alfabetizado, e apesar do esforço de estudiosos da área para desmistificá-la, a compreensão de que processos de apropriação dos conhecimentos matemáticos ocorrem associados aos de alfabetização e letramento não chega, ainda, a ser facilmente constatada nas práticas de escolarização das crianças das escolas brasileiras. Se compreendermos que as crianças não precisam, primeiramente, aprender as letras para só depois aprenderem números, formas e outros entes matemáticos, é possível pensarmos em processos de organização do ensino que, ao mesmo tempo que considerem a especificidade da infância, favoreçam e potencializem diferentes aprendizagens. Como afirma Vigostki (2010, p. 325), [...] o desenvolvimento intelectual da criança não é distribuído nem realizado pelo sistema de matérias. Não se verifica que a aritmética desenvolve isolada e independentemente umas funções enquanto a escrita desenvolve outras. Uma vez que a criança não aprende por fatias separadas por áreas do conhecimento, também a prática escolar para crianças

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 17 pequenas deve priorizar situações de ensino nas quais diferentes conhecimentos possam se integrar. No desenvolvimento dessas situações de ensino intencionalmente selecionadas, os conteúdos específicos manifestam-se de forma mediada pela ação dos professores e socialmente significada na atividade infantil. Alguns recursos teóricos e metodológicos podem auxiliar os professores a planejar uma prática pautada nessa integração. A importância da mediação e das situações lúdicas, por exemplo, não pode ser ignorada na busca dessa prática para o ensino da Matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Nesse sentido, propomos estabelecer aqui, com aqueles que se dedicam ao ensino nesta etapa da formação infantil, um diálogo sobre alguns elementos que possam fundamentar as práticas pedagógicas voltadas para o ensino da Matemática, no intuito de proporcionar às crianças a apropriação do conhecimento matemático de maneira lúdica e repleta de significado. Alfabetização matemática ou letramento em matemática? Assim como na língua materna, a aprendizagem de noções básicas de diferentes áreas do conhecimento constitui- -se como condição essencial para a construção de uma

18 CAPÍTULO 1 cidadania crítica, por meio da qual os sujeitos não apenas se integrem passivamente à sociedade, mas tenham condições e instrumentos simbólicos para intervir ativamente na busca da transformação dessa realidade social. A escrita traz consigo uma história atrelada às necessidades do homem em comunicar de modo eficaz suas descobertas, nos mais diversos campos do conhecimento, para atender variados interesses sociais. Na sua evolução, civilizações tais como a dos babilônios, egípcios, fenícios, gregos e romanos se destacaram, tanto para a evolução da escrita que comunica descobertas no amplo sentido, como na escrita que se refere à linguagem matemática especificamente. No caso do ensino da Matemática, a aprendizagem dos números e suas operações; de instrumentos para a leitura e análise de dados em listas, gráficos e tabelas; de estratégias de medição de grandezas, uso de unidades de medidas e produção de estimativas; de noções geométricas básicas, constituem, de forma geral, o foco do trabalho pedagógico esperado para as primeiras séries do Ensino Fundamental (Brasil, 1997; 2012). No entanto, embora muitos dos conceitos que fundamentam tais aprendizagens se manifestem no uso cotidiano dos números, de medidas ou mesmo no trato de formas geométricas, isso não significa, necessariamente, a aprendizagem dos conceitos. Não é pelo

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 19 fato de uma criança utilizar estratégias de contagem em determinada prática social (na feira, por exemplo) que ela se apropriou teoricamente do número ou tenha consciência da estrutura do sistema de numeração decimal. Mas, se ela usa o número, isso não é suficiente? Qual é o problema? O problema é que o uso não garante a apropriação do conceito e, sem ele, é impossível avançar com consistência na aprendizagem. No exemplo, a criança que apenas usa o número provavelmente terá dificuldades para compreender o sentido das operações aritméticas e sua generalização algébrica. Por outro lado, nas práticas sociais os conceitos podem ser apropriados de forma socialmente significada, além de favorecerem que o sujeito possa externar e materializar a sua aprendizagem. A discussão sobre a relevância das práticas sociais na aprendizagem tem se refletido nas pesquisas sobre a alfabetização e o letramento, ao indicarem inicialmente a alfabetização com o processo de aquisição do código da escrita e o letramento como o uso da escrita em práticas e situações sociais (Kleiman, 1995). No entanto, segundo Soares (2004, p. 14), não se trata de optar por um ou outro caminho, mas de compreender a interdependência desses processos, uma vez que [...] a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades

20 CAPÍTULO 1 de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização. De forma semelhante, alguns pesquisadores da área da educação matemática têm proposto o uso das expressões alfabetização matemática e letramento matemático (ou numeramento), associando a primeira à aquisição da linguagem matemática formal e de registro escrito (Fonseca, 2007, p.6), e a segunda expressão a processos de uso de conceitos matemáticos em práticas sociais. Há ainda, segundo a autora, uma vertente da educação matemática que relaciona o numeramento a uma noção mais ampla de letramento, a qual incluiria tanto as práticas sociais quanto as condições do sujeito para se inserir e atender às demandas dessas práticas permeadas pela linguagem escrita. Compreendida a noção de letramento dessa forma mais abrangente, também a noção de numeramento assumiria outra dimensão. Assim, segundo Fonseca (2007, p. 7), não se trataria, portanto, de um fenômeno de letramento matemático, paralelo ao do letramento, mas de numeramento como uma das dimensões do letramento (grifos do autor). Segundo Mendes (2005), compreender o numeramento como uma dimensão do letramento implica rever a própria visão de escrita, ampliando-a de modo que envolva também outros

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 21 códigos de representação para além do alfabético, por exemplo, o numérico e o simbólico. Na dimensão histórico-cultural do conhecimento os conceitos trazem em si encarnados processos de significação gestados nas relações humanas historicamente estabelecidas entre os sujeitos que, segundo Moura (2013a), participaram de sua criação ao resolverem um problema que requereu partilhar ações em que a linguagem foi necessária.. A escola é o espaço privilegiado no qual, de modo intencional, os conteúdos constituem-se como objetos de uma atividade que tem como finalidade fazer com que os sujeitos que dela participam se apropriem tanto desses objetos como do modo de lidar com eles (p. 88-89). Embora os termos numeramento, alfabetização matemática e letramento matemático apareçam em diferentes publicações e documentos, seu uso e o sentido que lhes é atribuído não é consenso. Concordamos com Moura (2013, p. 131-132) quando afirma que, para além dos termos utilizados na aprendizagem matemática, é fundamental a compreensão acerca dos processos humanos de significação dos conhecimentos matemáticos básicos, seus signos e o que representam, de modo a garantir a aprendizagem de um modo geral de lidar com os símbolos de forma a permitir o permanente acesso a outros conhecimentos nos quais a matemática se faz presente.

22 CAPÍTULO 1 Educação matemática, apropriação de conceitos e desenvolvimento do pensamento teórico Oentendimento de que a apropriação de conceitos matemáticos pode se dar de forma mais efetiva, de forma significada, em sua relação com as práticas sociais não significa que o uso de noções matemáticas diluídas nas práticas sociais seja suficiente para a aprendizagem dos conceitos matemáticos. Tais distorções esvaziam o papel social da escola de socialização dos conhecimentos humanos historicamente produzidos e considerados relevantes de serem aprendidos pelas novas gerações. Segundo Moura (2013), As visões culturalistas podem levar à falsa ideia de que as crianças estão impregnadas pela visão dos números no seu meio e que já têm o motivo necessário para buscar compreendê-los. Não, isto não corresponde à verdade. Apropriar-se de um conceito, como é para todo o processo de apropriação de significado, deve ser resultado de uma atividade do sujeito, motivado, que se apropria das significações a partir de suas potencialidades e de um motivo pessoal (Moura, 2013, p. 134). A distinção entre a utilização de conceitos em situações cotidianas e a apropriação conceitual voltada para generalização tem

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 23 como fundamento a distinção proposta por Vigotski (2009) entre conceitos cotidianos (ou espontâneos) e conceitos científicos. Sforni (2006) destaca que uma das principais distinções entre ambos se refere à tomada de consciência pelo sujeito, uma vez que, no processo de apropriação de conceitos cotidianos, a consciência está focada no contexto de utilização; por sua vez, no caso da apropriação de conceitos científicos, é necessária a consciência voltada intencionalmente para o conceito. Nas palavras de Vigotski (2009, p. 243), temos que no campo dos conceitos científicos ocorrem níveis mais elevados de tomada de consciência do que nos conceitos espontâneos. [...] apesar de na sua origem histórica a matemática apresentar vínculos diretos com as necessidades práticas, mais tarde evoluiu sobre proposições abstratas que, com ajuda da lógica formal, culminaram em sistemas dedutivos, como ocorre, por exemplo, com os conceitos geométricos euclidianos que, segundo Sánchez Vázquez (2007), têm sua origem nos objetos reais sobre os quais se exercia sua atividade prática, objetos cujas propriedades reais foram submetidas a um processo de generalização e abstração (p. 246). Podemos verificar essa diferenciação entre a apropriação de conceitos cotidianos e de conceitos científicos analisando uma situação bastante comum no ensino de medidas e grandezas nas séries iniciais que é o seu uso em receitas culinárias. Em geral, é

24 CAPÍTULO 1 proposto às crianças o uso de diferentes unidades de medida (colher, xícara, copo etc.). O fato de a criança utilizar essas medidas possui o mérito de favorecer uma aproximação com diferentes unidades de medida não padronizadas, porém não permite a apropriação do conceito de medida. Se a proposta se reduz a esse uso, sendo o preparo da receita o foco da ação da criança, podemos dizer que sua abordagem é o conceito cotidiano. Por outro lado, se, tomando como situação desencadeadora a receita, os professores estabelecerem mediações com o objetivo de tornar explícito para as crianças o conceito de medição (a diferenciação entre grandezas discretas e contínuas, a necessidade da criação de unidade, a comparação entre a unidade e a grandeza a ser medida, a quantificação dessa comparação 1 ), então esse processo pode tornar-se consciente para a criança e possibilitar a apropriação do conceito científico de modo que esse possa ser conscientizado pelos alunos na condição de um instrumento de generalização (Sforni, 2006, p. 6). A apropriação de conceitos científicos dá-se dessa forma, por meio de uma atividade humana consciente, na qual as ações realizadas pelo sujeito são repletas de sentido, de modo que a 1 - O conceito de medição será abordado no capítulo 3 (N.A.).

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 25 interiorização não é resultado mecânico da atividade externa em detrimento de seus componentes psíquicos internos (Martins, 2007, p.70). Portanto, em qualquer idade, ou fase, ou etapa do processo de aprendizagem do homem, estar em atividade é condição para a aprendizagem, o que vem a ocorrer se o aprendiz for movido por alguma necessidade e por motivos que o levem a se aproximar do conhecimento que os professores pretendem ensinar (Leontiev, 1983). Uma vez que a aprendizagem dos conceitos científicos não se dá de maneira espontânea, cabe à escola organizar situações de ensino que coloquem as crianças diante de situações cuja resolução necessite do conceito que se deseja ensinar e, ao mesmo tempo, de forma mediada pelos professores, possibilitem a superação da superficialidade do contexto e a exploração de características essenciais dos conceitos, em direção à abstração. De forma geral, podemos dizer que educar pressupõe uma mediação entre a cultura e os educandos, de tal modo que, nesse processo, o sujeito interioriza, transforma e garante a continuidade desta cultura. Nos ambientes escolares, elementos da cultura tornam-se objeto de ensino ao serem intencionalmente selecionados e socialmente validados como conteúdos escolares (Moura, 1996a). Em um sentido histórico-cultural, o conhecimento matemático que se torna objeto de ensino traz em si, nos elementos que o constituem, a história de sua produção e de seu desenvolvimento e suas formas de organização. Segundo Leontiev (1978), tais elementos

26 CAPÍTULO 1 estão impregnados nos objetos porque são produtos de transformações realizadas pelos seres humanos ao longo de um processo histórico de produção material e intelectual que foi culturalmente estruturado, constituindo a sua significação ou significado social. No ensino da Matemática, o conhecimento sobre a história da produção do conceito (as necessidades que o motivaram, as soluções encontradas para responder a essa necessidade, suas contradições e seus impasses) permite que os professores proponham situações de ensino que coloquem para as crianças necessidades análogas, o que não significa reproduzir o seu contexto histórico de produção. As mediações feitas pelos educadores no sentido da explicitação do conceito matemático para a criança precisam considerar que cada conhecimento tem uma história, um desenvolvimento que se fez dentro de certas lógicas [...] o modo de se conhecer certos conteúdos é quase que perseguir o modo de construí-los (Moura, 2001, p. 159). A educação escolar diferencia-se de outras instâncias educativas pela intencionalidade de ensinar conceitos científicos e favorecer o desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes; ou seja, é o pensamento que se utiliza dos próprios conceitos, e não de situações particulares que os representem (Davídov, 1982). Pensando desse modo, os processos de apropriação dos conceitos matemáticos básicos relacionam-se com processos mais gerais de letramento, quando se considera um indivíduo letrado como aquele que aprende não somente determinadas técnicas

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 27 para ler, escrever e contar, mas sim a usá-las de forma consciente em diferentes contextos e práticas sociais. Isso porque apenas a apropriação conceitual que compreende as relações internas e externas do próprio conceito permite ao sujeito tal autonomia em seu uso. De acordo com Leontiev (1983, p. 193), para se apropriar de um conceito, [...] não basta memorizar as palavras, não basta compreender inclusive as ideias e os sentimentos nelas contidos, é necessário ademais que essas ideias e sentimentos se tornem determinantes internos da personalidade. A relação entre a matemática e as necessidades práticas é por vezes mais direta. É indiscutível a contribuição dos grandes descobrimentos marítimos da Idade Moderna no desenvolvimento da trigonometria. Segundo Sánchez Vázquez (2007), [...] o cálculo probabilístico converteu-se [...], em uma necessidade na medida em que se estendia o comércio exterior inglês em relação com o crescimento do poderio colonial da Inglaterra, o que elevava as perdas e riscos comerciais (p. 247). Contudo, tem-se que considerar a autonomia da teoria para constituir-se em relação direta, seja como prolongamento ou negação dela, com uma teoria já existente (p. 247). Deve-se então destacar a importância de se considerar que em seu desenvolvimento a Matemática se estrutura para atender exigências teóricas de outras ciências e necessidades da própria técnica.

28 CAPÍTULO 1 Do ponto de vista das tarefas atribuídas aos professores, organizar o ensino para o desenvolvimento dos conceitos científicos nas crianças é um importante compromisso de sua prática pedagógica, o que demanda a organização intencional das ações. Assim sendo, o processo de ensino pode ser considerado como a passagem da atividade espontânea da criança para a atividade organizada e dirigida para o objetivo (Talizina, 2009, p. 267). Uma vez que a aprendizagem ocorre em atividade, o desafio da organização do ensino é planejar situações educativas que sejam desafiadoras e lúdicas e, ao mesmo tempo, coloquem para as crianças a necessidade do conceito que se quer ensinar. Assim, se o objetivo é ensinar as primeiras noções de fração, a criança precisa se deparar com a necessidade de representar partes de um todo contínuo; por exemplo, em situações de medição, o que se relaciona com a necessidade histórica que levou à criação dessa representação de partes pelos egípcios. A resolução dessas situações deve dar-se sempre de modo mediado e compartilhado entre as crianças. Os professores devem explorar também a relação entre os conceitos e seus usos sociais, além do interesse e a curiosidade da criança no compartilhamento

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 29 de experiências, interpretações e descobertas sobre as características essenciais dos fenômenos inerentes aos conteúdos a serem estudados. A mediação dos docentes durante todo o processo de resolução é condição fundamental para explicitar o conceito presente no contexto explorado, superando a atividade apenas empírica e favorecendo o desenvolvimento do pensamento teórico. O jogo no ensino e a atividade principal da criança No decorrer da vida, diferentes atividades têm a possibilidade de potencializar a aprendizagem. Isso porque se relacionam com os interesses e motivos de os sujeitos realizarem-nas. Para Leontiev (1988), elas são denominadas atividades principais, não porque ocorram com maior frequência ou porque sejam predominantes no tempo que o sujeito lhe dedica, mas porque são aquelas nas quais ocorre mais intensamente a apropriação uma vez que se constituem como a principal forma de relacionamento do sujeito com a realidade (Facci, 2004, p. 66). Assim, a atividade principal não se trata daquela frequentemente encontrada em certo nível de desenvolvimento, mas, segundo Leontiev (1988, p. 122), é aquela

30 CAPÍTULO 1 [...] em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças do desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento. Compreendida dessa forma, a atividade principal da criança pré-escolar 2 é a atividade lúdica, o jogo ou a brincadeira (Leontiev, 1988). No entendimento de Vigotski (1991), a relação brinquedo-desenvolvimento pode, em muitos sentidos, ser comparada com a relação instrução-desenvolvimento. Uma de suas principais características é que, em ambos os contextos, as crianças elaboram e desenvolvem habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis, os quais internalizará. Para Leontiev (1988), isso se dá pelo fato de que o mundo objetivo do qual a criança é consciente está continuamente se expandindo, pois, além dos objetos que constituem seu ambiente próximo (com os quais ela vinha até então operando em suas atividades), esse mundo inclui também os objetos com os quais os adultos operam, mas a criança não consegue operar, por estarem ainda além de sua capacidade física. O domínio desses objetos desafia a criança, que, pelas ações com eles realizadas, expande o do- 2 - Em nosso sistema de ensino, o termo pré-escolar utilizado por Leontiev equivaleria ao período que antecede a entrada no Ensino Fundamental e aos primeiros anos desse nível de escolarização; nos últimos, a atividade principal da criança vai gradativamente se transformando no estudo (N.A.).

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 31 mínio do seu mundo. No brincar, ela amplia sua possiblidade real de realizar atividades como cozinhar, dirigir um carro, ser professor ou mecânico, por exemplo. Assim, podemos entender que as brincadeiras das crianças não são instintivas e o que determina seu conteúdo é a percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos (Facci, 2004, p. 69). Da discrepância entre o motivo da criança e a sua ação, nasce a situação imaginária. Porém, a ação no brinquedo não é imaginária. Ao contrário, há uma ação real, uma operação real e imagens reais de objetos reais enquanto que a criança cria uma situação imaginária para o desenvolvimento da ação. Assim é que, por exemplo, um pedaço de madeira assume a função de uma colher ou uma argola assume a função do volante de um carro. Para Vigotski (1991), a ação em uma situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação, em que as ações surgem das ideias e não das coisas. Ao brincar, a criança passa a entender o que na vida real passou despercebido, experimentando e transformando as regras de comportamento às situações imaginárias criadas na ação de brincar. Ao brincar ou jogar, a criança potencializa sua possibilidade de aprender e de se apropriar de novos conhecimentos. Isso se dá porque, segundo Vigotski (1991), ao brincar, a criança se coloca um nível acima da sua atual situação de aprendizagem, do que

32 CAPÍTULO 1 realiza fora do jogo. Assim, o jogo cria uma zona de desenvolvimento próximo, permitindo que a criança atue acima de seu nível de desenvolvimento real. Segundo Vigotski (1991), o nível de desenvolvimento real é determinado pela capacidade de solucionar problemas de modo independente, e o nível de desenvolvimento potencial é determinado pela capacidade de solucionar problemas com a orientação, ou ajuda de adultos e, ainda, com a colaboração de parceiros mais capazes. Relacionando a atividade lúdica com a aprendizagem, temos que as maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade (Vigotski, 1991, p. 131). No desenvolvimento de jogos com regras, a atividade lúdica subordina-se a certas condições atreladas à realização de certo objetivo. A partir dos jogos com regras ocorre, segundo Leontiev (1988), um momento essencial para o desenvolvimento da psique da criança, quando ela introduz em sua atividade um elemento moral manifesto pela obediência à regra. Para o autor, a relevância desse acontecimento está no fato de que este elemento moral surge da própria atividade da criança e não sob a forma de uma máxima moral abstrata que ela tenha ouvido (p. 139). Assim, o jogo ou a brincadeira pode constituir-se como importante recurso metodológico nos processos de ensino e de aprendizagem, se considerado de forma intencional e em relação com o

Educação matemática para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil 33 conceito que se pretende ensinar. No caso da Matemática, é possível planejar situações nas quais, por meio da brincadeira desencadeada por jogos ou por histórias, as crianças se deparem com as necessidades de contar, registrar contagens, socializar esses registros, organizar dados. Por meio dos jogos e na ação compartilhada entre as crianças sob a mediação dos professores, tais necessidades passam a ser necessidades para as crianças em atividade lúdica, explorando a imaginação e a criatividade. A atividade lúdica pode ser explorada no ensino da Matemática por favorecer aprendizagens de estruturas matemáticas, muitas vezes de difícil assimilação, desenvolvendo sua capacidade de pensar, refletir, analisar, compreender conceitos matemáticos, levantar hipóteses, testá-las e avaliá-las (Grando, 2008, p. 26). Algumas ações desenvolvidas pelas crianças ao jogar podem ser comparadas com as ações adequadas ao processo de resolução de problemas. Além disso, é possível estabelecermos paralelos entre as etapas do jogo e as etapas da resolução de problemas (Moura, 1991; 1996; Grando, 2008). Em ambos, parte-se de uma situação desencadeadora (jogo ou problema), há uma exploração inicial do conceito presente na situação, levantamento de hipóteses

34 CAPÍTULO 1 ou estratégias, verificação de hipótese ou testagem de estratégias, avaliação, reelaboração na direção de atingir o objetivo (vencer o jogo ou resolver o problema). Para exemplificar essa possibilidade de articulação entre jogo e resolução de problema, Moura (1991, p. 52) apresenta uma proposta de organização do ensino para favorecer a aprendizagem do signo numérico: Algumas formas de levar as crianças à compreensão do signo numérico podem ser, por exemplo, contando-lhes uma história, fazendo-as viver uma situação na qual seja necessário o controle de quantidades ou ainda sugerindo-lhes um jogo em que se deve marcar a quantidade de pontos a ser comunicada à classe vizinha através de um símbolo criado pelos jogadores. Isto deve ser feito de forma que vá ficando claro o sentido da representação, o caráter histórico-social do signo e como se pode melhorar os processos de comunicações humanas. Esse autor defende ainda que, nos anos iniciais, é possível explorar mais intensamente a perspectiva da resolução de problemas como um jogo para a criança uma vez que o que os aproxima é o lúdico. Ele propõe que situações-problema possam ser trabalhadas pedagogicamente com a estrutura do jogo, em situações coletivas e por meio de um problema em movimento, como exposto na proposta apresentada pelo autor.

Oensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental consiste em um frequente desafio para professores, do mesmo modo que o ensino da língua materna. Com base nessa realidade, as autoras elaboraram a presente obra, cujo objetivo principal é oferecer a professores e educadores dos três primeiros anos do Ensino Fundamental respaldo teórico e metodológico para um ensino da Matemática que seja incentivador da aprendizagem e possibilite às crianças o desenvolvimento do pensamento teórico sobre os conceitos e as noções referentes a essa disciplina.