Graduada em História (Udesc, 2010) Mestre em História (Udesc, 2013) Doutora em História (USP, 2018) Ouça este artigo:
Os navios negreiros ou navios tumbeiros foram embarcações que fizeram a travessia do Atlântico, transportando mercadorias para troca no continente africano, homens e mulheres do continente africano para as colônias europeias no novo mundo, e produtos como açúcar e café, dentre tantos outros, para o continente europeu. Esse modelo de negócio ficou conhecido como comércio triangular, cuja principal atividade foi o tráfico negreiro, um dos negócios mais lucrativos do mundo à época, enviando cativos para sustentar as produções nas plantations ou explorações do ouro, como foi o caso do Brasil. Os escravizados africanos foram retirados de seu continente num processo conhecido como diáspora africana. Foi através dos navios negreiros, que fizeram a travessia do atlântico, que estes indivíduos chegaram em novos lugares. A viagem era bastante difícil e durava cerca de dois meses, podendo ser prolongada por conta das tempestades e calmarias em alto mar. Os maus tratos começavam antes mesmo de embarcar nos navios. Ficavam à espera do momento do emparque, amontoados e em condições precárias e eram levados por embarcações pequenas até o navio. Homens brancos compunham boa parte da tripulação e exerciam poder por meio de violência. O lugar destinado aos escravizados era o porão do navio, onde muitas vezes ficavam amontoados e acorrentados, mas não durante toda a viagem, pois se fizessem todo o trajeto presos não chegariam vivos ou chegariam em péssimas condições físicas, o que significaria uma perda de mercadoria significativa aos exploradores do trabalho escravo. Em alto mar os escravizados ficavam soltos nos porões e eram regularmente levados ao convés para se exercitar. O aprisionamento em correntes ocorria quando o navio se aproximava do porto. As condições nos navios eram precárias, sem ventilação nos porões – onde passavam boa parte do tempo – nem higiene adequada. A alimentação era bastante restrita e recebiam pequenas porções de farinha e carne seca e um pouco de água, que era rara até mesmo entre a tripulação. Para garantir o lucro do negócio do tráfico a superlotação foi constante nos navios negreiros. Nos porões eram separados: de um lado ficavam os homens e no outro as mulheres e as crianças. O enjoo era constante e os dejetos humanos eram presenças constantes na realidade dos porões. Com certa frequência eram limpos com água do mar e vinagre a fim de suavizar os odores e a sujeira. Desta forma muitas foram as doenças que se alastraram nos navios e chegaram aos portos, como o sarampo, a diarreia e o escorbuto. A área de estudos arqueológicos subaquáticos traz aspectos importantes dos navios negreiros. Pesquisando os restos das embarcações e cruzando dados com as fontes documentais do período revelam um pouco da organização destes espaços. Estudos das áreas de arqueologia, arquitetura e história concluíram que os porões dos navios eram normalmente divididos em três níveis: o porão propriamente, onde ficava o armazenamento de água e comida; a falsa coberta onde ficavam os escravizados; e a coberta para a tripulação. Mas, diversos foram os tipos de embarcação que realizaram tais atividades. Algumas foram construídas especificamente para o tráfico de cativos, mas a maioria do comércio foi feita com embarcações antigas adaptadas para este fim. Por fim cabe lembrar que esta atividade, embora altamente lucrativa, estabeleceu-se com base na exploração e violência contra homens e mulheres africanos. Tratar da escravidão, do tráfico atlântico e do cotidiano dos navios entendendo estes indivíduos apenas como carga humana é relega-los o papel mercadológico a que foram submetidos durante trezentos anos. É preciso destacar a contribuição dos africanos de diversas origens étnicas, suas ações, suas manifestações culturais e seu modo de ser e agir no mundo, que nos formam também enquanto nação. Referências bibliográficas: DREGUER, Ricardo. Kiese: história de um africano no Brasil. São Paulo: Moderna, 2015
Extremamente desconfortável, insalubre e perigosa. Em média, a cada três navios que partiam de Portugal nos séculos 16 e 17, um afundava. Cerca de 40% da tripulação morria nas viagens, vítimas não só de naufrágios, mas também de ataques piratas, doenças e choques com nativos dos locais visitados. Quem sobrevivia ainda tinha que aguentar o insuportável mau cheiro a bordo e as acomodações precárias. “Nas cobertas inferiores (onde as pessoas dormiam), o ar e a luz eram escassos, sendo fornecidos apenas por fendas entre as madeiras, que deixavam passar também a água do mar, tornando os porões abafados, quentes e úmidos”, diz o historiador Fábio Pestana Ramos, da Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban). Se o alojamento era ruim, a dieta era pior ainda. As caravelas nunca levavam a quantidade ideal de comida, o que estimulava um mercado negro a bordo. Os oficiais mais graduados controlavam o negócio, vendendo produtos, como frutas, por exemplo, a quem pagasse mais. Quem não tinha dinheiro e via os alimentos se esgotarem caçava ratos e baratas, que infestavam os navios, para sobreviver. Nesse ambiente de luta pela sobrevivência, os motins se tornavam comuns e eram reprimidos com brutalidade pelos oficiais, que andavam com espada, adaga e pistolas. A falta de segurança ainda era agravada pela má conservação dos barcos, que em muitas ocasiões tinham cascos apodrecidos e velas desgastadas. Mesmo com tantos problemas essas embarcações valiam fortunas. “Em meados do século 16, uma caravela aparelhada para 120 tripulantes custava em torno de 75 quilos de ouro, o equivalente à compra de 758 mil escravos africanos”, afirma Fábio. A caravela se tornou o mais famoso tipo de navio usado nas jornadas dos descobrimentos, mas havia também a nau, embarcação mais lenta, mas que possuía maior capacidade de carga e podia levar um número maior de canhões e tripulantes. VEJA TAMBÉM: Pesadelo em alto-mar 1. Camarote VIP 2. Muvuca infernal Uma nau comportava cerca de 500 pessoas. Tripulantes e passageiros dormiam no mesmo espaço, em estreitos beliches com até quatro andares. Pior viagem faziam os grumetes, crianças entre 7 e 16 anos que formavam o grosso da tripulação. Alistados à força pelos pais (por causa dos salários), os aprendizes de marinheiros dormiam no convés 3. Banheiro perigoso A higiene a bordo era bastante precária. Banho, nem pensar, o que fazia proliferar pulgas, piolhos e percevejos. Os mais ricos usavam penicos, esvaziados no mar por criados. A maioria dos homens e mulheres, porém, tinha que se aliviar à vista de todos, debruçando-se no costado da embarcação, com risco até de cair no mar Continua após a publicidade 4. Saúde à deriva Ter um médico a bordo era raridade e os doentes eram tratados no improviso — principalmente com sangrias, que podiam transformar uma indisposição em anemia mortal. A falta de vitamina C na alimentação provocava escorbuto, doença que apodrecia as gengivas e fazia cair os dentes. Era comum a disenteria, a febre tifóide e a varíola 5. Para passar o tempo A lotação do barco, as suas más condições e o excesso de tempo livre faziam surgir tensões entre os viajantes. Para aliviá-las, os oficiais organizavam, com a ajuda de religiosos, missas, procissões e encenações de peças contando a vida dos santos. Mas a distração predileta dos marujos era mesmo um bom jogo de cartas a dinheiro 6. Sexo forçado Havia uma proporção média de uma mulher para cada 50 homens numa embarcação. Grupos de marinheiros ficavam à espreita e, quando surgia uma oportunidade, podiam estuprar algumas mulheres, mesmo as casadas. Às vezes, prostitutas embarcavam, mesmo assim o homossexualismo costumava ser freqüente entre os marujos 7. Saber é poder Instalado numa cadeira na popa (parte de trás do navio), o piloto era quem realmente comandava a embarcação e sua autoridade técnica não era contestada nem pelo capitão, que tinha um comando mais político da tripulação. O piloto trabalhava ao lado do timoneiro, fazendo cálculos de navegação com instrumentos como astrolábios e bússolas primitivas 8. Dieta restrita A quantidade de comida era reduzida e a dieta pobre em vitaminas. Um cozinheiro fazia pão e preparava a carne salgada, servida esporadicamente. As provisões incluíam biscoitos, bacalhau, lentilha, alho, cebola, açúcar, farinha, água (muitas vezes contaminada) e vinho. Para garantir algo fresco, eram levados uns poucos animais vivos, em geral galinhas |