Como eram os navios antigamente

Graduada em História (Udesc, 2010) Mestre em História (Udesc, 2013)

Doutora em História (USP, 2018)

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Os navios negreiros ou navios tumbeiros foram embarcações que fizeram a travessia do Atlântico, transportando mercadorias para troca no continente africano, homens e mulheres do continente africano para as colônias europeias no novo mundo, e produtos como açúcar e café, dentre tantos outros, para o continente europeu. Esse modelo de negócio ficou conhecido como comércio triangular, cuja principal atividade foi o tráfico negreiro, um dos negócios mais lucrativos do mundo à época, enviando cativos para sustentar as produções nas plantations ou explorações do ouro, como foi o caso do Brasil.

Como eram os navios antigamente

Interior de um navio negreiro, pintura do artista alemão Johann Moritz Rugendas. (aprox. 1830).

Os escravizados africanos foram retirados de seu continente num processo conhecido como diáspora africana. Foi através dos navios negreiros, que fizeram a travessia do atlântico, que estes indivíduos chegaram em novos lugares. A viagem era bastante difícil e durava cerca de dois meses, podendo ser prolongada por conta das tempestades e calmarias em alto mar.

Os maus tratos começavam antes mesmo de embarcar nos navios. Ficavam à espera do momento do emparque, amontoados e em condições precárias e eram levados por embarcações pequenas até o navio. Homens brancos compunham boa parte da tripulação e exerciam poder por meio de violência. O lugar destinado aos escravizados era o porão do navio, onde muitas vezes ficavam amontoados e acorrentados, mas não durante toda a viagem, pois se fizessem todo o trajeto presos não chegariam vivos ou chegariam em péssimas condições físicas, o que significaria uma perda de mercadoria significativa aos exploradores do trabalho escravo. Em alto mar os escravizados ficavam soltos nos porões e eram regularmente levados ao convés para se exercitar. O aprisionamento em correntes ocorria quando o navio se aproximava do porto. As condições nos navios eram precárias, sem ventilação nos porões – onde passavam boa parte do tempo – nem higiene adequada. A alimentação era bastante restrita e recebiam pequenas porções de farinha e carne seca e um pouco de água, que era rara até mesmo entre a tripulação.

Como eram os navios antigamente

Para garantir o lucro do negócio do tráfico a superlotação foi constante nos navios negreiros. Nos porões eram separados: de um lado ficavam os homens e no outro as mulheres e as crianças. O enjoo era constante e os dejetos humanos eram presenças constantes na realidade dos porões. Com certa frequência eram limpos com água do mar e vinagre a fim de suavizar os odores e a sujeira. Desta forma muitas foram as doenças que se alastraram nos navios e chegaram aos portos, como o sarampo, a diarreia e o escorbuto.

A área de estudos arqueológicos subaquáticos traz aspectos importantes dos navios negreiros. Pesquisando os restos das embarcações e cruzando dados com as fontes documentais do período revelam um pouco da organização destes espaços. Estudos das áreas de arqueologia, arquitetura e história concluíram que os porões dos navios eram normalmente divididos em três níveis: o porão propriamente, onde ficava o armazenamento de água e comida; a falsa coberta onde ficavam os escravizados; e a coberta para a tripulação. Mas, diversos foram os tipos de embarcação que realizaram tais atividades. Algumas foram construídas especificamente para o tráfico de cativos, mas a maioria do comércio foi feita com embarcações antigas adaptadas para este fim.

Por fim cabe lembrar que esta atividade, embora altamente lucrativa, estabeleceu-se com base na exploração e violência contra homens e mulheres africanos. Tratar da escravidão, do tráfico atlântico e do cotidiano dos navios entendendo estes indivíduos apenas como carga humana é relega-los o papel mercadológico a que foram submetidos durante trezentos anos. É preciso destacar a contribuição dos africanos de diversas origens étnicas, suas ações, suas manifestações culturais e seu modo de ser e agir no mundo, que nos formam também enquanto nação.

Referências bibliográficas:

DREGUER, Ricardo. Kiese: história de um africano no Brasil. São Paulo: Moderna, 2015
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/quem-conta-um-conto
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/peoes-do-trafico
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/frutos-do-mar
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/nas-ondas-do-trafico
https://www.youtube.com/watch?v=HbreAbZhN4Q – A Rota dos Escravos – A alma da resistência

Extremamente desconfortável, insalubre e perigosa. Em média, a cada três navios que partiam de Portugal nos séculos 16 e 17, um afundava. Cerca de 40% da tripulação morria nas viagens, vítimas não só de naufrágios, mas também de ataques piratas, doenças e choques com nativos dos locais visitados. Quem sobrevivia ainda tinha que aguentar o insuportável mau cheiro a bordo e as acomodações precárias. “Nas cobertas inferiores (onde as pessoas dormiam), o ar e a luz eram escassos, sendo fornecidos apenas por fendas entre as madeiras, que deixavam passar também a água do mar, tornando os porões abafados, quentes e úmidos”, diz o historiador Fábio Pestana Ramos, da Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban). Se o alojamento era ruim, a dieta era pior ainda. As caravelas nunca levavam a quantidade ideal de comida, o que estimulava um mercado negro a bordo. Os oficiais mais graduados controlavam o negócio, vendendo produtos, como frutas, por exemplo, a quem pagasse mais.

Quem não tinha dinheiro e via os alimentos se esgotarem caçava ratos e baratas, que infestavam os navios, para sobreviver. Nesse ambiente de luta pela sobrevivência, os motins se tornavam comuns e eram reprimidos com brutalidade pelos oficiais, que andavam com espada, adaga e pistolas. A falta de segurança ainda era agravada pela má conservação dos barcos, que em muitas ocasiões tinham cascos apodrecidos e velas desgastadas. Mesmo com tantos problemas essas embarcações valiam fortunas. “Em meados do século 16, uma caravela aparelhada para 120 tripulantes custava em torno de 75 quilos de ouro, o equivalente à compra de 758 mil escravos africanos”, afirma Fábio. A caravela se tornou o mais famoso tipo de navio usado nas jornadas dos descobrimentos, mas havia também a nau, embarcação mais lenta, mas que possuía maior capacidade de carga e podia levar um número maior de canhões e tripulantes.

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Pesadelo em alto-mar
Numa nau do século 16, cerca de 500 pessoas conviviam sem banheiro, havia estupros e crianças dormiam no convés

1. Camarote VIP
Em geral, o espaço para acomodar tripulantes e passageiros numa nau era de apenas 50 cm2 por pessoa! Já o capitão do navio normalmente tinha direito a um camarote individual, com 2,2 m2. Oficiais e membros da alta nobreza não tinham esse privilégio, embora pudessem contar com um espaço maior que os apertadíssimos 50 cm2

2. Muvuca infernal

Uma nau comportava cerca de 500 pessoas. Tripulantes e passageiros dormiam no mesmo espaço, em estreitos beliches com até quatro andares. Pior viagem faziam os grumetes, crianças entre 7 e 16 anos que formavam o grosso da tripulação. Alistados à força pelos pais (por causa dos salários), os aprendizes de marinheiros dormiam no convés

3. Banheiro perigoso

A higiene a bordo era bastante precária. Banho, nem pensar, o que fazia proliferar pulgas, piolhos e percevejos. Os mais ricos usavam penicos, esvaziados no mar por criados. A maioria dos homens e mulheres, porém, tinha que se aliviar à vista de todos, debruçando-se no costado da embarcação, com risco até de cair no mar

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4. Saúde à deriva

Ter um médico a bordo era raridade e os doentes eram tratados no improviso — principalmente com sangrias, que podiam transformar uma indisposição em anemia mortal. A falta de vitamina C na alimentação provocava escorbuto, doença que apodrecia as gengivas e fazia cair os dentes. Era comum a disenteria, a febre tifóide e a varíola

5. Para passar o tempo

A lotação do barco, as suas más condições e o excesso de tempo livre faziam surgir tensões entre os viajantes. Para aliviá-las, os oficiais organizavam, com a ajuda de religiosos, missas, procissões e encenações de peças contando a vida dos santos. Mas a distração predileta dos marujos era mesmo um bom jogo de cartas a dinheiro

6. Sexo forçado

Havia uma proporção média de uma mulher para cada 50 homens numa embarcação. Grupos de marinheiros ficavam à espreita e, quando surgia uma oportunidade, podiam estuprar algumas mulheres, mesmo as casadas. Às vezes, prostitutas embarcavam, mesmo assim o homossexualismo costumava ser freqüente entre os marujos

7. Saber é poder

Instalado numa cadeira na popa (parte de trás do navio), o piloto era quem realmente comandava a embarcação e sua autoridade técnica não era contestada nem pelo capitão, que tinha um comando mais político da tripulação. O piloto trabalhava ao lado do timoneiro, fazendo cálculos de navegação com instrumentos como astrolábios e bússolas primitivas

8. Dieta restrita

A quantidade de comida era reduzida e a dieta pobre em vitaminas. Um cozinheiro fazia pão e preparava a carne salgada, servida esporadicamente. As provisões incluíam biscoitos, bacalhau, lentilha, alho, cebola, açúcar, farinha, água (muitas vezes contaminada) e vinho. Para garantir algo fresco, eram levados uns poucos animais vivos, em geral galinhas